Um país do bigode

Sociologia no Barbeiro

País do bigode, para a árida teoria evolutiva, os pêlos faciais não passam de caracteres masculinos secundários, que atestam a chegada do indivíduo à idade adulta.

Segundo o darwinismo puro, constituem proteção natural contra intempéries climáticas ou uma macia defesa contra choques e arranhões.

São funções importantes, claro. Mas, quando esculpidos em forma de bigode, os pêlos são muito mais do que sinais de virilidade: regem os destinos dos homens e das nações.

No Brasil, sobram exemplos de bigodudos heróis, símbolos de progresso e salvadores da pátria.

O poder que emana do bigode, ostentado por uma seleta maçonaria de rosto peludo, forjou estereótipos cardeais no imaginário nacional.

Selecionamos alguns personagens-chave para que o leitor do Palma Louca constate que há mais coisas entre o nariz e a boca do que supõe a vã barbearia.

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O Dono do Mar(anhão)

Oligarca, ex-presidente e dono do Maranhão, José Sarney é um grande exemplo de bigode no poder. Sua passagem pelo Planalto foi marcada pela capacidade de mobilizar os brasileiros, sempre às ordens para fiscalizar reajustes de preço.

Coroné e dotô, nasceu José Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Sarney era o nome de seu pai, homenagem do avô ao patrão, um inglês chamado de Sir Ney.

Nas primeiras aparições políticas, era conhecido como Zé do Sarney. Ao longo da vida, teve coragem de lançar um livro chamado Marimbondos de Fogo, decretar a moratória da dívida externa e, mais tarde, ir morar no Amapá.

Dono de maciço bigode, foi imortalizado pela Academia Brasileira de Letras, numa homenagem dos sábios nativos ao conjunto trapezoidal de pelos que enfeita seu rosto sisudo.

 

Brasil. - . Pauta: Programa Carga pesada. Credito: Arquivo/TV Globo. Atores Stenio Garcia e Antonio Fagundes em cena do programa Carga pesada.9 dez. 2007. TV, p. 6.
Foto: Carga Pesada (Rede Globo)

Na boleia do caminhão

Bino é um personagem da ficção televisiva brasileira, mas seu bigode nos fala do mais puro caráter nacional. Encarnado por Stênio Garcia em Carga Pesada, o discreto caminhoneiro é amigo fiel de Pedro, interpretado pelo versátil (!) Antônio Fagundes.

Se Pedro é o galã maroto e exibicionista que se mete em grandes confusões com mulheres e figurantes mal treinados de 38 na mão, Bino representa o pacato trabalhador médio.

De seu bem cuidado bigode, depreendemos que é caminhoneiro e, portanto, um estivador sobre rodas; é gente boa, confiável e leal;

não integra qualquer tipo de sindicato; parou de beber; não perde tempo com bobagem; sempre faz questão de se posicionar de maneira ética; e é dono de inequívoca vocação para guru sexual. Raro herói televisivo da classe trabalhadora, tinha que ter um bigode. 

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Foto: Veja Rio

País do Bigode – A patada atômica

O futebol é indispensável em qualquer tentativa de entender o Brasil. Sob o prisma da bigodologia, não é diferente. São muitos os bigodudos que brilharam nos gramados.

O mais notável, no ponto de vista do bigode, é Roberto Rivellino: um retrato do bigodudo guerreiro, vitorioso, aguerrido, forte, justo e bom.

Não há duvidas sobre o segredo da famosa patada atômica do craque, que defendeu o Corinthians e o Fluminense. Mas um bom bigodudo mantém seus poderes mesmo de cara raspada.

Tornou-se célebre o episódio em que Riva, comentando Copa de 94 na Band, derrapou ao aparar o bigode e teve que eliminá-lo.

Apareceu diante das câmeras sem pêlos e enfrentou as gozações com altivez. No dia seguinte, seu colega Gérson Canhota de Ouro participou da programação esportiva usando um bigode postiço. Gérson, a propósito, ostenta um bigode do tipo invisível.

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Foto: Fundação Fiocruz

País do Bigode – Barricada moral

Oswaldo Cruz foi o maior sanitarista brasileiro. Ao lado do prefeito Pereira Passos e do presidente Rodrigues Alves – ambos de bigode e cavanhaque – mudou o Rio no início do século XX. A então capital era um notório foco de doenças e epidemias.

Para transformá-la na Paris Tropical, o trio propôs a remoção dos moradores e a demolição dos cortiços do Centro. Em 1904, Cruz baixou a lei da vacina obrigatória, origem da maior revolta popular da história de cidade.

Os cariocas não acreditaram na vida microbiótica: acharam que as reformas eram mais uma tramóia para botar abaixo seus insalubres muquifos.

O saldo da luta foi de 30 mortos, 110 feridos e 900 deportados para o Acre. Usando o bigode como uma barricada moral, o sanitarista resistiu às críticas e entrou para a História como um modernizador

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Foto: Folhapress

País do Bigode – Mulherengo, Jogador…

Hugo Carvana é a melhor imagem do malandro carioca. Catapultado ao estrelato como o repórter Waldomiro Pena na série Plantão de Polícia, botou a banca necessária para roteirizar, dirigir e protagonizar os próprios filmes, resguardando-se do risco de pegar um papel imberbe.

Em Vai trabalhar, vagabundo I e II, viveu Dino, mulherengo que não poupava ninguém de sua picardia – a malícia era tanta, que chegou a engabelar até o Paulo César Peréio.

Em Se segura, malandro, ele é um radialista da favela que prega peças nos ouvintes. Em Macunaíma, faz ponta como um turco golpista que vende um “pato que caga dinheiro” ao herói sem nenhum caráter.

Infalivelmente bigodudo, o malandro que Carvana cultivou é o símbolo do bom humor, da esperteza, da sensualidade e da amoralidade do carioca de outrora – qualidades hoje tão raras quanto bons bigodes.

 

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Ex-bigode prateado

Dono de trajetória esportiva pouco brilhante frente aos padrões atuais do vôlei brasileiro – um vice-campeonato mundial em 82, uma medalha de prata nas Olimpíadas de 84 e um título pan-americano em 83 – Bernard ficou conhecido pelo chatíssimo saque estilo Jornada nas Estrelas e pela tortuosa carreira política sob as asas de Fernando Collor de Melo – o único brasileiro, além de Ayrton Senna, que poderia ter sido Batman.

Mas ficará para sempre na memória dos brasileiros graças à mal aparada bigoda que lhe dava um ar de garotão sacana, capaz de sair por aí abraçado com um tresloucado Gilberto Gil e uma namoradíssima Roberta Close e festejar, festejar e festejar.

Desde que raspou o moustache de sua vida, Bernard se envolveu cada vez mais com o Comitê Olímpico Brasileiro. Nunca mais se elegeu para nada e hoje não passa de papagaio de pirata do Carlos Arthur Nuzman. Ah, a falta que o bigode faz.

 

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