Pisa que eu gamo

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Podólatras têm fixação por pés femininos. Que esse tipo de fetiche tem um pouco a ver com masoquismo e também com o lance de mulheres dominadoras, sim!

Aquelas que vestem roupas justas de vinil preto, calçam sapatos gigantes de saltos ainda maiores e desfilam, impávidas, com um chicotinho a tiracolo.

Isso é tudo o que eu sabia ao chegar à festinha no Valhalla, uma casa de fetiche na Vila Mariana, em São Paulo.

O sobrado é discreto, silencioso, pintado de amarelo clarinho. Janelas fechadas. Nada de movimentação na porta, luzes ou porteiros com lista de convidados.

Estranho… Comigo vão uma colega, Dolores, tão ansiosa quanto eu, e uma fotógrafa, Roberta, tão desconfiada quanto eu. Toco a campainha e chamo o dono da casa, um rapaz que me convidou, por email, para conhecer seu estabelecimento na festa semanal dos podólatras.

A desculpa para o convite foi o bom e velho “Estou fazendo uma reportagem sobre fetiche…”

“A festa ainda não começou, mas o pessoal já está chegando”, diz ele. São 21h. Nooooossa! Paredes escuras, teto baixo, nada de janelinhas. Daqueles ambiente fechados e escuros em que tanto faz ser dia ou noite lá fora. Entramos na única sala enjanelada.

O escritório. Computador, telefone, papelada. Várias estantes exibem DVDs e fitas VHS de pornô fetichista. Ficamos vidradas, olhando capa por capa.

Homens mascarados, chuva de prata e ouro (eca!), dor e prazer, prazer e dor, pés, pés e mais pés. “A gente aluga os vídeos para os clientes”, diz o simpaticão, um podólatra assumido. Casado com uma dona de belo par de pés que logo apare na salinha para nos conhecer.

É a dominadora. Ele cuida da administração, ela dos detalhes, do atendimento e das meninas. “Vou mostrar a casa para vocês”, diz a primeira-dama-de-ferro.

Guilhotinas, algemas e chicotes

Somos apresentadas às funcionárias. Moças bonitas, maquiadas, com belas sandálias de saltos altíssimos. Difícil dizer, à primeira vista, se são garotas de programa.

O trabalho ali, de qualquer modo, não é esse. Limita-se tão somente a pisar nos convivas e oferecer-lhes os pés para carícias, beijos e massagens. Nada mal. Já vi empregos bem piores por aí.

“Ah, o senhor X vem hoje! Vocês vão conhecê-lo. Que bom!”, anima-se a dominatrix loura, enquanto subimos ao andar de cima. O senhor X é cliente vip da casa.

Nos dois cômodos do segundo andar, que permancem sempre abertos, uma coleção de instrumentos de tortura. Guilhotina, cordas, correntes, algemas e muitos, muitos chicotes.

De couro; com esporas de metal nas pontas; uma ponta, duas, três; finos; grossos; trançados; comuns. A dominatrix explica que a Valhalla não é casa de sadomasoquismo, mas de podolatria.

Rola sexo? “Não, de jeito nenhum. Fetiche não tem a ver com sexo, necessariamente”. Ah, sei… A coleção de chicotes é quase decorativa na casa.

“O único frequentador que pede e pode apanhar das meninas é o senhor X”. Ele de novo. Só ele pede, vez ou outra, para ser chicoteado. Frequenta o local de duas a três vezes por semana.

É executivo de uma grande empresa, mas ninguém pode saber. Claro, claro.

“Posso ver seu pé?”

Pegamos nos chicotes para ver a diferença. Meeeedo! Descemos para esperar os convidados. O lance rola na sala principal, escura como todos os ambientes, decoração de gosto duvidoso como todos os ambientes. No teto da sala, restos da festa de Haloween, bruxinhas e morcegos de papel.

Nas paredes, quadros de nu artístico. E sofás e poltronas. As meninas, além de oferecerem seus pés, servem os clientes de bebidas e petiscos, preparados na cozinha do sobrado, pelas mãos de alguém que não viemos a conhecer.

Na sala, enquanto chegam alguns fetichistas, o simpaticão e a dominatrix explicam que o prazer dos podólatras não é como o sexual. Que eles olham os pés de uma mulher antes de reparar na silhueta, na boca, nos olhos ou nos glúteos.

Os três que já haviam chegado na festa concordam e participam do papo enquanto fazem massagem nos pés das meninas. Cada um escolhe uma. Depois trocam.

Eles ficam sentados no chão. Elas, no sofá. Um veio do Paraná só para visitar a Valhalla. “Acabei de me separar e queria vir há meses”, conta.

E sua mulher, tinha belos pés? “Sim, me apaixonei por isso também. Agora estou solteiro, caí na vida, adorei esse lugar. No sul não tem nenhuma casa assim.”

O tempo passa, a conversa flui, e a sala fica cheia, sofás lotados. Depois de algumas risadas, um dos clientes da casa, entre um gole e outro de alguma bebida colorida, me indaga sem cerimônia:

“Posso ver seu pé?” Mas eu estou de sandália! “Ver com os olhos ou com as mãos?” Tá, tá, jornalismo gonzo, gonzo… Tiro os calçados, incentivada pelas meninas e pela dominatrix.

Pé, né? Que mal tem? Sento meio tímida, me livro das sandálias e o maluco pira porque, segundo ele, tenho pés pequenos e delicados. Affffffff! Ele fica fazendo massagem, todo feliz, e eu perguntando, perguntando e fingindo estar acostumada a ser massageada durante entrevistas.

As mãos dele não passam dos tornozelos. Reparei bem nisso para ver se podolatria não é desculpa para putaria. Podólatra que é podólatra não está nem aí para pernas, quadris, bafo ou cheiro de sovaco. O negócio dele é pé. O formato, a textura, a distância entre os dedinhos…

De repente, adentra o recinto o personagem mais esperado da noite. “O senhor X”, me avisa discretamente com o olhar a dominatrix. Um homem grande e gorducho, com cara de bozinho, cumprimenta todo mundo, todo sorridente. Senta e ouve a conversa, de soslaio. Desconfiado, não participa.

Os donos da casa explicam o que estamos fazendo ali – equipamento fotográfico, bloquinhos e canetas intimidam muito os convivas num lugar tão secreto.

O senhor X diz que não pode ser identificado. Claro, não se preocupe!, já sabemos disso e nossa intenção não é expor quem nos ajuda a entender o que são podolatria, fetiches e afins. O senhor X fica mais à vontade e tira um par de pés desocupado para acariciar. E segue observando.

“Fazemos o cara de tapete, sem cerimônia”

Tudo pronto, tudo certo, os podólatras começam a se empolgar e assumem o lado “escravos” do fetiche. Deitam no chão de barriga para cima.

Convocam as moças para caminhar sobre o corpo deles. Descalças. Eu e Dolores entramos na onda. Fazemos o cara de tapete, sem cerimônia.

Como se não bastasse, pede pra pisar no rosto também. Enquanto isso, outros se contagiam e, como se competissem, começam a deitar e pedir mais. Para saltar de uma poltrona sobre o tronco deles, projetando o impulso.

Para pisar de saltos. “De sapato é até melhor”, propagam.

Aí sinto que começa a rolar masoquismo. Salto fincado na costela? E eles nem parecem sentir dor? Estavam gostando mesmo da coisa. Situação das mais esquisitas, por mais que eu já tivesse lido ou ouvido falar sobre.

E o senhor X só olha, olha. Até que… Dominatrix sugere o que a gente estava louca de curiosidade para ver. E o senhor vip topa na hora, sem pestanejar. Ueeeeeeeepa!

Dominatrix traz alguns chicotes da coleção do segundo andar. Pede para arrastarem uma dessas camas que têm em academias de ginástica – ideais para exercícios abdominais.

Colocam a geringonça no meio da sala. O senhor X clandestino, todo seguro do furor que causava entre as inexperientes nas esquisitices sadomasôs, tira a camisa e deixa à mostra as costas peludas.

Deita-se de bruços na cama-maca-de-ginástica. Permite fotos, mas sem mostrar seu rosto. Uma das meninas, com os olhos brilhantes de emoção, começa.

Uma perna mais à frente, cara de má. Chicote em punho, bate sem dó no lombo do homem. “Deixa elas agora”, ordenou ele, se referindo às repórteres, certo de que seria nosso dèbut na arte de chicotear gente.

E era mesmo. Moças urbanas, não tivéramos outra oportunidade de chicotear um ser vivo. Aquela era imperdível, mas ficamos intimidadas.

Começo, toda sem jeito, a dar leves chicotadas. O senhor X se ofende. “Que é isso? Mais forte, pode bater sem medo!” Endureço, mas sem perder a ternura.

Tudo errado! A loura dominatrix resolve me mostrar como fazer. Do alto de sua experiência, pega o chicote com charme e lasca-lhe as esporas, sem medo de ser (ou melhor, de fazê-lo) feliz! Chega a deixar vergões na pele. Mas sem sangue.

Quando julga que eu já observei o suficiente, ela me passa o singelo instrumento. Recomeço timidamente. “Mais forte, pode bater. Tá fraco!”, diz ele,
com ar desafiador. Aos poucos, passo a imprimir mais força no braço e mais velocidade e frequência nos golpes.

Uma vontade inconfessável de bater mais

Num lugar quase escuro, com fracas luzes indiretas e sem janela, concentro-me nas chicotadas. Miro no lombo branco e peludo. De repente, pego ritmo.

O homem incentiva e desafia. Aquilo vai me deixando furiosa de verdade, com uma certa raiva! Fico com vontade de segurar o chicote com as duas mãos para imprimir mais força ainda em cada golpe. Melhor trocar de mão de quando em quando.

Alucino. Conheci, ao desferir dezenas de chicotadas num desconhecido, meu lado sádico. E não é começo a gostar da brincadeira? Quase a contragosto, passo o chicote para minha colega Dolores experimentar também.

E o chicote passeia nas mãos de outras e outras, até o fim da sessão dor-e-prazer. Vou conversar com o masoquista clandestino (se é que todos os masoquistas não o são, até mesmo aquele barrigudinho com cara de marido chato e dedicado que
senta logo ali, ao seu lado, no escritório em que você trabalha).

Explica-me o senhor X, beeeem mais à vontade com nossa presença: o prazer de apanhar é completamente dissociado do sexual.

Sim, ele tem uma namorada. Transam normalmente, ninguém bate nem apanha. Ela nem sonha que ele frequenta lugares como o Valhalla. Como assim?

Um dia você vai dar um chicote de presente para ela e contar toda a verdade? “Não, não, uma coisa é uma coisa…”, diz, categórico.

E como descobriu que gosta desse prazer dolorido? “Quando era criança, ia para o sítio com duas tias que me batiam quando eu aprontava. Logo passei a fazer traquinagens de propósito, só para apanhar mais” lembra o senhor X, do alto de seus 40 e poucos anos.

No meio da conversa, sinto uma vontade quase inconfessável de bater mais nele. Uma vontade de chicotear mais, uma sensação de prazer sádico. Mas não ia pedir bis, claro.

Quando a gente acha que já tinha ouvido e visto tudo o que era possível ali, uma das meninas pede: “Fiquem mais um pouco.

Tem mulher que sai de alguma noitada ou festa e passa aqui para ganhar uma massagem nos pés antes de ir para casa.” Detalhe: mulher não paga para entrar na casa. Homem sim!

Antes de sair, um podólatra cisma com a Roberta, a fotógrafa que nos accompanha até o fim da aventura. É a única de tênis. O maluco insiste para ela tirar o sapato fechado. Roberta, boquiaberta, recusa. Mas o cara insiste tanto que vence pelo cansaço.

Nossa profissional da imagem cede. Larga o equipamento no sofá, tira o par de tênis. “Mas e as meias?”. Tira também. O cara pega, apalpa e cheira as meias, sob olhares inconformados das jornalistas. Literalmente pirou no chulé da Roberta.

Quer comprar de qualquer jeito o par de meias, com o qual ela havia passado o dia todo. Diz que pagaria qualquer preço.

Não vendemos nada, apesar da insistência do rapaz. “Então posso beijar seus pés?”. Pode! E Roberta, roxa de tão sem graça, deixa.

Depois de pisar, pular, pisotear, chicotear, fotografar e perguntar tudo o que veio à mente, resolvemos ir embora. Já passam das 2h.

 

Foto: iStock

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