Cinema que teria acontecido às velhas salas de cinema pornô do Centro do Rio? O que as faz resistir bravamente à concorrência dos aparelhos de videocassete e de DVD?
Como migraram das antigas sessões duplas do estilo sexo-e-karatê (dois filmes em sequência, um pornô e outro de luta) para o atual sistema, que ainda atrai um bom público?
Movido por essas questões, propus fazer uma visita, acompanhado de uma amiga, a dois poeiras clássicos da região: o Cine Rex, na Cinelândia, e o Cine Íris, na Rua da Carioca.
Encontrei Mme. N às 16h30, na frente do bar Amarelinho, na Cinelândia. Quando soube da pauta, ela pediu insistentemente que a levasse no périplo. “Curiosidade antropológica”, justificou.
Rumamos para o Cine Rex, que fica numa estreita rua de paralelepípedos, com pouco movimento de carros, ao lado do Teatro Rival.
No letreiro do cinema, nenhum filme específico: apenas a inscrição “Filmes Pornôs”, em cima dos horários das sessões.
Uma pequena escada nos leva ao guichê da bilheteria, em cuja placa estava o preço do ingresso: R$ 8 – não há meia-entrada e não havia fila.
Mme. N, um pouco nervosa, entrega os ingressos ao bilheteiro. Ele, estranhamente, nos adverte: “Qualquer problema, doutor, é só nos chamar”, o que a deixa mais apreensiva.
Entramos. Uma cortina velha e desbotada separa o micro-hall de entrada da sala de exibição. Um profundo breu nos recebe.
Quando os olhos se acostumam com a escuridão, percebemos que há várias pessoas paradas em pé e outras circulando pelos corredores.
Um filme americano de sacanagem passa na pequena tela, e o lugar tem cheiro de coisa velha. Resolvemos procurar uma poltrona para nos sentar, mas a treva ainda era intensa, o que fez com que perdêssemos o contato por alguns instantes.
Tempo o suficiente para que – mais tarde ela me revelaria – um cardume de mãos tentasse um contato discreto com o seu corpo.
O senta-levanta nas poltronas
Sentamo-nos numa fileira em que havia apenas uma pessoa. Podemos, então, observar melhor a movimentação, bem mais intensa do que havíamos percebido há pouco. Nos corredores há um vai-e-vem frenético, acompanhado por um incessante senta-levanta das poltronas.
Volta e meia, um transeunte encontra o sinal verde de alguém e sossega por alguns instantes. Modo de dizer, já que sossego é o que ninguém parece procurar ali.
Resolvo dar um rolé, acompanhado, claro, de Mme. N. Numa singela voltinha, notamos várias duplas de homens praticando sexo oral e se masturbando mutuamente.
Ninguém demonstra reação negativa ao reparar que está sendo observado – alguns parecem até gostar. Um travesti vai a nossa frente, no corredor, também dando a sua voltinha.
O cinema estava cheio, mas não lotado, e a freqüência é quase totalmente masculina, com exceção de uma ou duas “moças”, que também ficam passeando.
Não há uma faixa etária predominante: são velhos, jovens e homens de meia-idade. Gordos, magros, baixos e altos. Vestidos de terno ou de bermuda e camiseta.
A maior parte com mochila ou pasta. Ninguém perde muito tempo com conversa.
Resolvemos nos sentar de novo. Desta vez, três espectadores vêm ficar próximos a nós. Um tenta nos encarar nos olhos, apesar do escuro, e senta-se na mesma fileira, a duas poltronas de diferença.
Mme. N me avisa que os outros dois ocuparam as poltronas imediatamente atrás de nós, mas sem tentar qualquer tipo de contato. Ninguém nos incomoda.
Ficamos próximos à entrada do banheiro, lugar que notamos ser o epicentro do fluxo de gente. A luz branca na porta ilumina um jovem forte e feio, vestido apenas com calça jeans, que, enquanto fumava, acariciava o próprio peito nu.
De vez em quando, sumia acompanhado banheiro adentro. Enquanto observamos o movimento, Mme. N me chama a atenção para o moço que havia sentado ao nosso lado.
Ele se masturba energicamente, olhando de soslaio, para ver se acompanhamos sua performance. Os rapazes atrás de nós também parecem animados.
Enquanto resolvíamos a que horas sair para o Cine Íris, Mme. N sente um líquido atingir a parte de trás de seu braço.
Com um esgar de nojo, ela me pergunta se já podíamos ir embora. Apressamos o passo e, na saída, o porteiro nos olha com curiosidade. Em tempo: Mme. N estava vestida de calça jeans e uma espécie de bata, branca e discreta.
Partimos para a segunda parada, que fica a algumas quadras da Cinelândia. Chegamos lá por volta das 18h. O Cine Íris é uma das mais belas e antigas salas de cinema do Rio.
A mistura de decadência e beleza fez com que o prédio abrigasse por vários anos a mais conhecida festa alternativa do Rio: a Loud, que, aos sábados, atraía centenas de jovens aos seus três andares.
Durante os dias úteis, o que (ainda) sustenta a casa são as sessões de filmes eróticos, intercaladas com shows também do mesmo quilate. O ingresso, como no Rex, custa R$ 8.
Entramos. A “cenografia” do hall impressiona. Uma escada imponente, feita de mármore e metal, leva aos outros andares. Uma cortina velha nos separa da sala de exibição, que é mais clara e tem o pé-direito altíssimo.
As poltronas também são mais confortáveis. Sentamos numa fileira no meio da sala, em cujos corredores também passeava a variada fauna do Centro da cidade, quase todos também com suas mochilas e pastas.
As “vias” laterais do cinema são as preferidas do público voyeur que, sem cerimônia, masturba-se ante a visão de homens se pegando nas poltronas.
Tudo meio discreto, tudo meio às escâncaras. Como no Cine Rex, a freqüência é basicamente composta de homens, com a exceção de uma “prima” aqui e uma trava ali, também elas à procura de um sinal verde – porém remunerado.
Duas fileiras de poltronas à frente, dois caras trepavam, ou faziam movimentos muito semelhantes.
A hora da sirene: começa o show ao vivo
A pegação come solta – embora aparentemente um pouco menos selvagem que a do Cine Rex – quando soa uma sirene.
Alguns espectadores se levantam repentinamente e correm para a saída. Será a polícia? Logo em seguida, um trecho de Carmina Burana começa a tocar, bem alto, ao mesmo tempo em que são acesos seis spots, três de cada lado da sala, para iluminar o palco.
Um globo de espelhos reflete pedaços de luz por toda o cinema, conferindo-lhe uma atmosfera algo irreal. Uma mulata boazuda entra no palco, ainda vestida, ao som de uma música da dupla Sandy e Júnior. Dublagem como interpretação lembram o Pablo, do Sílvio Santos.
Na segunda música (Vanessa Camargo), ela faz um strip-tease em que rapidamente tira a (pouca) roupa. Tudo não dura mais que seis minutos, se tanto.
Os movimentos são os básicos desses espetáculos. Tipo esfregar a calcinha, como se fosse fio-dental, na… você sabe.
Duas colunas de metal, uma de cada lado do palco, servem para que as moças façam evoluções. Uma chega a ficar de cabeça para baixo, nua, com uma perna voltada para o leste e outra para o oeste.
A acrobacia é acompanhada atentamente, e beeeeeem de perto, por um negão que aprova tudo com entusiasmo.
O esquema não varia muito. As meninas dublam, algo desajeitadas, uma canção romântica. As roupas, claro, são sumárias. As formas das moças variam bastante.
Algumas são bem magrinhas. Outras, mais redondinhas. Mme. N compara o rosto de uma moça ao da pintora mexicana Frida Khalo, devido ao espesso buço que lhe recobre o espaço entre o nariz e a boca.
O que a nossa Frida tem de desajeitada, compensa com desinibição. No auge de sua performance, ela desce do palco e faz um rápido número de platéia com algum dos rapazes sentados nas primeiras filas.
Toscamente sensual, esfrega seu corpo contra o dele – sem, no entanto, obter algum sinal de ânimo dos moços com a performance.
O show dura oito apresentações, ao fim das quais as luzes repentinamente se apagam para que o trânsito de pessoas recomece no cinema, cujo banheiro tem o mesmo poder de atração exercido pelo do Cine Rex. Resolvo fazer uma visita para conferir o que há nele.
São dois mictórios do lado esquerdo, ocupados por dois caras, e dois reservados no fundo, sendo usados por quatro rapazes, dois em cada um. Dava para ver pelos dois pares de tênis virados para a mesma direção. Fingi lavar as mãos e saí.
Sento novamente ao lado da Mme. N. Ela sugere que, antes de irmos embora, fôssemos a uma espécie de mezanino da casa, no qual avistamos algumas pessoas.
Eu topo. Lá chegando, vemos vários espectadores acomodados em cadeiras de plástico, iguais a essas de boteco. Ninguém se pegava.
Ou pelo menos não conseguimos enxergar, já que lá também estava muito escuro. Sugiro a Mme. N que nos sentemos em duas cadeiras vazias.
Mas ela logo nota que o cara ao lado se dedica, despreocupadamente, a descabelar o seu palhaço. Nem repara na nossa presença.
Notamos, em fim, que ali funciona uma espécie de descascódromo: todos, literalmente, com o pau na mão.
Diante da cena, resolvemos dar por encerrado o nosso trabalho, e descemos a escada lateral rumo à Rua da Carioca. Mais precisamente ao Bar Luiz, para digerir a “curiosidade antropológica”. cinema.