Sete razões (curiosas) para ler Elena Ferrante

Por que a tetralogia “A amiga genial”, da misteriosa escritora italiana exerce tanto fascínio pelo mundo?


A Amiga Genial Elena FerranteQual o segredo de Elena Ferrante, autora da tetralogia que anda arrastando fãs pelo mundo inteiro? Publicada em 40 países, a saga napolitana já vendeu quase 4 milhões de exemplares desde que foi lançada, em 2014, na Itália, e em 2015 e 2016 no resto do planeta.

Foram 30 mil livros só no Brasil, um fenômeno. Os livros da série “A amiga genial” (Biblioteca Azul) ainda puseram de joelhos a crítica literária especializada, que não contém elogios à maneira como Elena Ferrante conduz a trajetória de uma amizade, contando, com ela, a história de um país – no caso, a Itália, com sua máfia virulenta, seu cheiro de comida fresca, seu sotaque às alturas, seus vestidos de bom corte.

Aqui, listamos sete motivos peculiares pelos quais você vai querer ler “A amiga genial“.

1. Para se apaixonar por Lila (ou Lenu)

Qual foi o último personagem forte que te agarrou pelos calcanhares até o fim de um livro?

Daqueles que o leitor acorda pensando no que faria em seu lugar, que gera discussões na mesa de bar, e pelos quais dá vontade de se apaixonar?

Na saga napolitana de Elena Ferrante, há pelo menos duas personagens extasiantes: Lila e Lenu.

“O caso de Lila era diferente. Já na primeira série, estava além de qualquer competição possível.

Lila fazia mentalmente cálculos complicadíssimos, seus ditados não apresentavam um erro sequer, falava sempre em dialeto como todos nós, mas, quando necessário, exibia um italiano livresco, recorrendo até a palavras como afeito, exuberante, de bom grado.

Alem disso, não concedia brechas à benevolência. Reconhecer sua excelência significava para nós, crianças, admitir que nunca superaríamos e que era inútil competir;

para os mestres e professoras, confessar que foram crianças medíocres. Sua rapidez mental lembrava o sibilo, o bote, a mordida letal. E em seu aspecto não havia nada de corretivo.

Estava sempre desgrenhada, suja, com cascas de ferida nos joelhos e cotovelos que nunca saravam.

Os olhos grandes e vivíssimos sabiam se transformar em fissuras através das quais, antes de qualquer resposta brilhante, havia um olhar que parecia não só pouco infantil, mas talvez nem humano.

Todo movimento dela dizia que fazer-lhe mal não serviria para nada, porque não importa como as coisas saíssem, ela acharia o modo de fazer ainda pior”. (“A amiga genial”, p. 40)

2. Para descobrir esconderijos na Itália

História do Novo Sobrenome Elena Ferrante Impossível não ter vontade de tomar um avião para a Itália e percorrer o roteiro “ferrantino” nas próximas férias: em Nápoles, caminhar pela rua Constantinopoli, pelo Porto Alba, pela praça Dante, por Toledo.

Andar de Millecento na Praça Amedeo, comprar sapatos na Piazza dei Martiri, comer pizza na Piazza Garibaldi, um café espresso na Villa Comunale. No litoral sul, nadar em Ischia, passar um dia em Forio, tomar sorvete em Barano, sonhar com Coroglio…

É um imaginário tão bem construído que já há agências de viagens italianas investindo nas dicas esparramadas ao longo dos quatro romances.

“Seguimos pela rua Caracciolo, o vento cada vez mais forte, sempre mais sol. O Vesúvio era uma forma delicada de tom pastel, aos pés do qual se amontoavam as pedras esbranquiçadas da cidade, a silhueta cor de terra do Castel dell`Ovo, o mar.

Mas que mar. Era agitadíssimo, fragoroso, o vento cortava a respiração, colava as roupas no corpo e erguia os cabelos da testa” (“A amiga genial”, p. 132)

3. Para se lembrar da vida “do bairro”

Os personagens dos quatro romances são de um bairro pobre de Nápoles, crescidos em cortiços, cada qual debruçado sobre a vida do outro.

As histórias das famílias vão se sobrepondo umas às outras, e qualquer grito vira uma novela boa de se acompanhar.

Como no dia em que a vizinha demonstra uma felicidade intraduzível, quase quebrando a cama de casa:

“Corremos para as janelas, havia uma grande confusão no pátio. Soube-se que Melina, que após a mudança dos Sarratore se comportara geralmente bem – um tanto melancólica, é claro, um tanto alheia, mas no fim das contas as bizarrias se tornaram raras e inócuas, do tipo cantar a plenos pulmões enquanto lavava as escadas dos prédios ou jogar baldes de água suja na rua sem se importar com quem passava.

estava tendo uma nova crise de doidice, uma espécie de loucura de alegria. Gargalhava, pulava na cama de casa e erguia a saia, mostrando as coxas magras e a calcinha aos filhos assustados.

Isso foi o que a minha mãe entendeu, perguntando do parapeito às mulheres surgidas nas janelas.

Pude ver que até Nunzia Cerullo e Lila acorriam para ver o que estava acontecendo, e tentei escapar pela porta para alcançá-la, mas minha mãe me impediu.

Ajeitou os cabelos e, com seu passo manco, foi ela mesma averiguar a situação.” (“A amiga genial”, p. 120)

4. Para buscar pistas sobre o mistério que envolve a autora dos livros

Desde 199História de Quem Foge e de Quem Fica Elena Ferrante2, quando publicou o primeiro livro na Itália, a autora – de quem presume-se ser mulher apenas pelo pseudônimo feminino – jamais mostrou o rosto, deu entrevistas pessoalmente, participou de eventos literários ou circulou por rodinhas de escritores.

Ninguém jamais soube como é seu rosto, de onde ela veio, quem ela é – artifício bem complicado de se manter hoje em dia.

Tão difícil que em outubro de 2016 o jornalista investigativo italiano Claudio Gatti acreditou ter encerrado o mistério, em série de reportagens publicadas no New York Times Review of Books que revelavam que Elena Ferrante é, na verdade, a tradutora Anita Raja, casada com um escritor napolitano, Domenico Starnone.

Com base nos soldos depositados pela editora a Anita, que cresceram vertiginosamente –  justamente nos períodos de pico da vendagem dos livros da saga napolitana

“Amiga genial” – Gatti chegou à conclusão de que só podiam ser a mesma pessoa, causando fúria entre os fãs da autora, que acreditam que a revelação seja uma “invasão de privacidade” que tira a graça de todo mistério que torna seus livros tão sedutores.

5. Para se inspirar na moda europeia dos anos 50, 60 e 70

Como atravessa três gerações, esmiuçando a vida de um grupo de pessoas de classe média baixa e alta, a moda é um dos aspectos sociais explorado vivamente pela tetralogia.

Como uma menina pobre pensa seu vestido de casamento e os dos seus convidados; como a amiga mais pobre ainda arruma as malas para cursar universidade numa cidade grande; como os personagens vão construindo sua imagem revolucionária ao se despir das grifes em aparelhos políticos: está tudo entranhado nas descrições da trama.

“Quando apareceu na rua nova ainda esbranquiçada de cal, fiquei boquiaberta. Vestira-se e maquiara-se de modo muito vistoso, não parecia nem a desleixada Lila de antigamente nem a Jaqueline Kennedy das revistas, mas, para ficar nos filmes de que gostávamos, talvez uma Jennifer Jones em “Duelo ao sol”, ou Ava Gardner em “E agora brilha o sol””. (“A amiga genial”, p. 70)

6. Para sentir algo novo: a “desmarginação”

Uma das imagens mais fortes e recorrentes da saga napolitana da escritora Elena Ferrante é a sensação que acomete eventualmente uma das protagonistas, Lila, a “desmarginação”. Num misto de epifania e prenúncio, numa festa de réveillon ou num acesso de tristeza infinda, ou caminhando à toa, pelas ruas, “as margens das pessoas e das coisas se dissolvem de repente”, descreve Lenu, a narradora, “deixando ver a sua natureza assustadora”.

“Já tivera muitas vezes a sensação de entrar, durante frações de segundos, numa pessoa ou numa coisa, ou num número, ou numa sílaba, violando-lhe os contornos”, descreve ela.

A primeira vez acontece no “A amiga genial”, volume que inaugura a história da amizade de Lila e Lenu, duas meninas que crescem no subúrbio da mafiosa Nápoles dos anos 50, uma brilhante, a outra a se descobrir.

Em “História do novo sobrenome”, o segundo tomo, que acompanha a maturidade das duas personagens, as “desmarginações” de Lila se repetem, desviando a percepção da personagem ante a sequência de episódios traumáticos que se sucedem.

7. Para saber como funciona… uma fábrica de salsichas

“Se as pessoas soubessem como os jornais e as salsichas são feitos, não compravam nenhum dos dois”, diz uma máxima bem brasileira, país onde os jornais e os embutidos disputam em preço e qualidade.

Pois bem, os livros de Elena Ferrante nesta saga badalada – especificamente no finalzinho do segundo tomo, “História do novo sobrenome” – explicam, tintim por tintim, como funciona uma fábrica de salames, salsichas e enchidos diversos.

Desde a descarnagem, passando pelos vapores e ensacamento, as entranhas do alimento que a maioria das pessoas ingere sem fazer ideia de como é feito. Como alguns personagens vão trabalhar numa dessas, à narradora só restou contar-nos a verdade…

- Advertisement -spot_img

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here