Diamantes e Ferrugem

“Diamantes e ferrugem”, poucos casais de artistas formaram um par tão charmoso, inteligente e talentoso quanto Bob Dylan e Joan Baez.

Os dois começaram a namorar em 1965, quando ambos tinham 24 anos. Na época, Dylan e sua garota eram príncipe e princesa do folk americano (embora Dylan já estivesse se reinventando como roqueiro), vozes que embalavam milhões de jovens do mundo todo.

Ele: brilhante, impetuoso e desafiador, o poeta de uma geração – ainda que recusasse tal título. Ela: bela, carismática, politizada, dona de uma voz soprano encantadora.

As imagens de Joan cantando enquanto Dylan martelava enlouquecidamente uma máquina de escrever, jorrando sua poesia para o papel, registradas pelo documentário Don’t look back, mostram o quanto os dois estavam imersos na música e na criação naquele momento. 

Pareciam almas gêmeas afirmando o projeto sessentista de viver de amor e arte. Mas o que era para muitos o princípio de uma longa história ficou só no princípio mesmo.

O romance teria durado pouco mais de um ano. Muito ego, ou, quem sabe, genialidade em excesso para uma só cama.

Dez anos depois, Joan escreveu uma de suas mais belas canções, Diamonds and rust, para Dylan.

No princípio, houve controvérsias. Ela própria relata em sua biografia o diálogo no qual teria contado para um incrédulo Dylan que, apesar dos boatos, a música não fora feita para ele. 

Porém, em uma entrevista para o jornal The Huffington Post, em outubro do ano passado, Baez finalmente se entregou, admitindo ter escrito a canção após uma ligação do ex-namorado.

Dylan estava no em um orelhão no meio da estrada e telefonou para ler uma letra que havia acabado de escrever.

Não é coincidência que os primeiros versos de Diamond and rust digam “(…) lá vem o seu fantasma outra vez/ mas isto não é incomum/ É só porque a lua está cheia/ E você decidiu ligar”. 

Baez descreve lembranças que evocam, ao mesmo tempo, duas imagens opostas: diamantes e ferrugem — o brilho da pedra preciosa e as desgastadas manchas do metal oxidado.

O tom carinhoso por ela adotado é uma exceção. Quando casais de músicos lavam a roupa suja em público, geralmente, sobram estilhaços para tudo quanto é lado. E as réplicas costumam ser ainda mais venenosas

Em 2006, o compositor uruguaio Jorge Drexler lançou o belíssimo álbum 12 segundos de oscuridad. 

A obra nasceu enquanto o cantor se divorciava da cantora espanhola Ana Laan, com quem teve um filho. O disco 12 segundos é o mais denso e, na opinião de muitos fãs, o melhor da carreira do cantor.

Para concebê-lo, Drexler se isolou em Cabo Polônio, umapraia uruguaia, sem telefone, internet e nem mesmo eletricidade.

O nome do álbum remete tempo que o farol de Cabo Polônio leva até voltar a piscar, emitindo seu brilho de luz que orienta os barcos que navegam noite afora.

Na canção título, Drexler utiliza esta metáfora para afirmar que o que importa não é a luz, mas, justamente, os 12 segundos de oscuridad.

É navegando na escuridão que se pode chegar a um lugar melhor: uma concepção positiva da crise como uma fase necessária para o aprendizado.

Salpicados ao longo das canções do álbum, podemos encontrar relatos que descrevem como o casamento ruiu.

Uma das letras mais reveladoras é a de La infidelidad en la era informática, na qual Drexler parece confessar uma traição, descoberta por Ana Laan ao bisbilhotar a caixa de e-mails do marido:

“E em três semanas que pareceram um ano/ Perdeu a vontade de dormir e cinco quilos/ E em flashbacks de ciúmes ainda seguem chegando/ As frases que nunca devia ter lido”.

Ana daria o troco na canção “Me echaras de menos”, de 2008, na qual dispensa e esnoba publicamente o seu antigo par. Uma música leve e dançante, com uma letra que de tão certeira em seu rancor chega a ser cruel.

O que será que Drexler fez para merecer versos como “Não provarás mais minha comida/ Tudo isso se acabou/ Encontre outra sofrida/ Encontre para você outro amor”? 

O pop cafona também tem dos seus litígios conjugais. Como não citar a polêmica envolvendo o cantor Latino e sua ex-mulher, a loura Kelly Key? A separação rendeu pérolas de nossa música como os prestigiados versos:

“Vem aqui, que agora eu to mandando/ Vem meu cachorrinho, a sua dona ta chamando”. Mas não são apenas os relacionamentos amorosos que geram músicas ressentidas.

Os compositores que cultivaram o mais frutífero casamento artístico do século passado, também trocaram farpas dolorosas após a separação.

diamantes e ferrugem

Tudo começou quando Paul, desgostoso com algumas declarações dadas por John, detonou o ex-parceiro na canção Too Many People, que abria o excelente disco Ram.

Na letra, Paul reclamava que nesse mundo havia gente demais fazendo pregações e dizendo aos outros como que eles deveriam ser.

Supõe-se que dentro da letra haveria mensagens cifradas para Lennon, alfinetadas que só os amigos mais próximos poderiam entender. To Many People teria deixado Lennon furioso.

A resposta veio com todas as letras em How do you sleep? Batendo com força em seu mais novo desafeto, John dizia para Paul que “aqueles freaks tinham razão quando disseram que você estava morto”.

O verso se refere à famosa lenda de que o baixista dos Beatles teria morrido muitos anos antes em um acidente, sendo substituído por um sósia.

Não é só isso: How do you sleep? conta ainda com a participação de George Harrison, fazendo um slide guitar – sinal de que Paul não estava muito bem na fita com os ex-colegas.

George, por sua vez, já teria atacado Macca na letra de Wah-wah, composta durante as conturbadas sessões de gravação do disco Let it Be. 

Intrigas à parte, o mais fascinante é que, anos depois, John declarou que em algum momento percebeu que a furiosa letra de How do you sleep? falava mais dele mesmo do que de Paul. Viva a autocrítica.

Roupa suja se lava em casa, já diziam nossas avós. Mas, convenhamos, podemos abrir uma exceção quando essas roupas forem realmente bonitas.

Não fosse a mágoa, a raiva, o desassossego e a saudade que atingiram em cheio seus compositores, com certeza, perderíamos boa parte das mais belas canções que já escutamos.

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3 COMMENTS

  1. Não precisamos voltar muito atrás, mas todas as grandes obras que foram produzidas nos últimos 300 anos, foram fruto de termino de relacionamento entre dois seres humanos, em que a mágoa, o ressentimento é a frustração são jogadas no papel das mais diversas maneiras. Romance, poema, música, pintura, escultura, ou qquer outra forma de arte. Algumas geniais, outras simplesmente bestiais!

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