Troféu e sabonete
Copa dos detentos, um grupo de sete detentos encontrou um bom modo de ganhar mais alguns minutos de sol no presídio Hélio Gomes, no degradado Complexo da Frei Caneca, no Centro do Rio.
Em ano de Copa do Mundo, a ideia de fazer um campeonato de futebol foi aprovada pela administração da cadeia e chegou aos ouvidos do ex-jogador e deputado Roberto Dinamite (na foto, de gravata).
Dos 1.028 presos, 120, escolhidos por bom comportamento, viram atletas duas vezes por semana. Doze times vão disputar o troféu durante dois meses.
Os jogos são apitados pelos próprios detentos. Os campeões levam, além do troféu, um kit com sabonete, pasta de dente e papel higiênico.
“Preso não vota”
O barulho de tiros ecoa várias vezes ao dia nos pátios internos da penitenciária. Vem da favela próxima, o Morro de São Carlos, a copa dos detentos é dominado por traficantes de drogas.
Da quadra de futebol, é possível ver alguns barracos e casas de tijolo da comunidade. Roberto Dinamite teve infância pobre em Duque de Caxias, um dos municípios mais violentos do Grande Rio.
Ele doou bolas e traves novas em folha para os detentos, que trabalharam na reforma da quadra para o campeonato.
Os uniformes têm o nome do deputado grafado no peito. “Preso não vota”, diz Roberto. Mas família de preso sim.
Torcida organizada
Os presos que não entram em campo disputam espaço para assistir aos jogos através das grades. O presídio Hélio Gomes abriga detentos ligados ao Terceiro Comando.
O grupo nasceu de dissidência do Comando Vermelho (CV), facção criminosa que controla a venda de drogas e o tráfico de armas na maior parte das favelas do Rio.
Criado no início dos anos 70 na antiga cadeia da Ilha Grande, o CV foi liderado por presos políticos de esquerda.
No período mais violento da ditadura militar, eles lideraram motins e ensinaram táticas de guerrilha e organização de assaltos a banco aos presos comuns.
O Edmundo do presídio
Não é só o rosto que se assemelha ao do craque Edmundo, famoso pelo futebol de primeira linha e por confusões dentro e fora de campo.
Márcio Lira de Oliveira, de 31 anos, cumpre a segunda passagem pelo sistema carcerário, ambas por assalto a banco, somando oito anos de detenção.
Diz ser amigo de infância do jogador e de seu irmão, assassinado em novembro de 2002. “Na época boa, o Edmundo levava a gente para o Café do Gol (antiga boate de Romário, na Barra da Tijuca) e bancava tudo para os amigos”.
Em 1998, o reencontro: “Voltamos a nos ver no Plácido Sá Carvalho (presídio no Complexo de Bangu). Ele passou uma noite lá, por causa daquele acidente (Edmundo dirigia bêbado e matou três pessoas em 1995).
Doou bolas e camisas para a gente, como o Dinamite está fazendo agora”.
Contra o ócio
Waldecir Joaquim, o novo diretor do presídio, assumiu o cargo no dia em que Dinamite deu o pontapé inicial do campeonato.
Vinte e quatro horas antes, se despedia vivo do presídio de segurança máxima Bangu 2, na zona oeste do Rio. Nem todos os antecessores tiveram essa sorte.
“Numa cadeia, o maior inimigo é a ociosidade. É muito importante criar um clima de integração, o mais salutar possível”, diz.
No presídio Hélio Gomes, 300 presos cursam o ensino fundamental e 30 fazem curso de informática. Quinze cuidam da limpeza na administração e outros 15 trabalham na padaria.
A cada três dias de trabalho, o detento consegue um dia de remissão.
34 de idade, 78 de pena
Nilton César da Cruz Ferreira é casado, tem 34 anos e cinco filhos que o visitam regularmente.
Ele foi condenado a 78 anos de prisão por assalto a banco e seqüestro, mas teve a pena reduzida, cumpriu 16 e está próximo de deixar a cadeia.
Um dos organizadores do campeonato, ele comemora o fato de poder jogar bola, respirar o ar puro do pátio e ter espaço para correr e se exercitar.
“A cadeia é muito pequena, não tem espaço para nada. Por isso, todo mundo quer participar”.
Problemas x Esperança
Os nomes dos times que disputam o campeonato da cadeia rendem uma crônica à parte. No grupo A, o Corinthians encara o Barcelona.
No C, o Arsenal pega o Milan. No D, mais humilde, o Coqueiro tenta correr por fora. Na chave B, entretanto, está o duelo mais aguardado:
Problema Futebol Clube versus Esporte Clube Esperança. Quando a bola rola, na sagrada hora diária de futebol, o muro alto que isola os detentos da cidade é esquecido. Mesmo que as outras 23 pareçam não passar.