Uma noite no Daime

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Como a maioria das pessoas, torço muito para que Deus exista. Infelizmente, não consigo encontrá-lo em lugar algum.

Mesmo assim, não custa tentar. Foi por isso que, poucos dias atrás, me vi num galpão rústico no meio da floresta escura, um copo à mão, apavorado, engolindo três dedos de Ayahuasca – ou Santo Daime, se preferirem.

A caminho da cerimônia religiosa, no sítio Céu do Mar, em plena mata atlântica carioca, havia jurado para mim mesmo que não tomaria o Daime.

Tenho uma válvula defeituosa no coração e nunca provei alucinógenos, com medo de pirar pra sempre.

Chego e sou recebido por uma prima, gentil sacerdotisa. Mata adentro e morro acima, passamos por uma casa grande e iluminada, de pedra, com janelas que lembram vitrais.

Fico sabendo que o diretor da seita, Padrinho Paulo Roberto, é um psicanalista que aderiu ao Daime na década de 80, quando integrou uma missão do governo que avaliava a periculosidade da droga.

Numa curva fechada na mata, dou de cara com uma imagem de Nossa Senhora da Conceição (Rainha da Floresta). Sou tomado pelo meu passado: imagens religiosas, culpa, pecados, o olhar sisudo do julgador.

Excitado, aciono minha câmera. Primeiro incidente: pifou. Três horas atrás, funcionava.

Conheço o Padrinho. Ou seria Elvis?

santo-daime

Chegamos ao galpão onde se dá a cerimônia. A visão impressiona. Um fogaréu jorra de uma fornalha de seis bocas circulares, rodeado por fiéis, jovens a maioria, calados todos.

Mais adiante, uma fila segue até um sujeito magro e alto, garrafa de Daime em punho, mostrando um sorriso entre o irônico e o constrangido, que parece dizer: “Segura firme, irmão…”

Sou apresentado ao Padrinho. Alegre e sorridente, com costeletas e barriga à Elvis Presley, ele e minha prima são os únicos desenvoltos ali.

Os demais, num silêncio perturbador, mergulharam para dentro de si mesmos. Sinto um misto de ansiedade e temor, de desejo de avançar e de recuar.

Analiso rostos, olhares, busco alguma segurança no que vejo, e agora pergunto à minha prima sobre os riscos de tomar a poção. “Não há riscos”, ela diz com seu sorriso de anjo.

“O efeito surge meia hora após a ingestão, e dura por duas horas.”

Ligo para minha namorada. “Vou tomar o Daime”, digo. “Anote o celular da minha prima. Se eu não ligar em duas horas, por favor ligue pra ela”. “Você já é grandinho e sabe o que está fazendo”, ela diz, chateada.

Estou na fila, apavorado. O homem magro enche meu copo. Tento evitar seu rosto crispado. Tomo o Daime de um gole só e aguardo sentado, a boca amarga, esperando bater.

Preces, sermões do Padrinho, cânticos em uníssono, filmo com meu celular. E aguardo, aguardo.

Aflito, saio andando sem rumo

Incidente número dois: Passados 20 minutos, sinto uma onda que vem de não sei onde e balança todo o meu corposantodaime3, deslocando meu cérebro, quase me fazendo cair da cadeira.

Acho que vou pirar, revejo episódios de loucura que já presenciei, e, aflito, saio andando sem rumo, esbarrando nos fiéis que nem sequer notam minha passagem.

Agora estou tomando ar fresco ao fundo do galpão, esperando o anunciado mergulho interior que já não desejo. Como refúgio, busco pensamentos e ações racionais, mas não adianta.

Não consigo controlar nada, e agora meus olhos estão grudados na floresta, enquanto ouço os cânticos e o sopro das chamas que me chegam da missa.

Vou percebendo que, em vez de me voltar para dentro, é para fora que estou virando! Diante de mim, a natureza brilha, literalmente. A folhagem da mata reluz como vaga-lumes soltos na noite.

O perfil cintilante da floresta me convida, tenho vontade de me mandar dali e me enfiar no mato. Deixo que os sentidos tomem conta de mim.

Passado um tempo impreciso, quando vejo que ainda estou ali e não vou pirar, ligo para minha namorada, querendo acalmá-la.

Ouço vozes sim, há gente rindo do outro lado da linha, mas, estranhamente, não ouço a voz que buscava. “Linda”, digo, “Linda, você está me ouvindo”? Nada. Desligo, e, que bom, já me esqueci disso, só penso mesmo no que se passa dentro de mim.

Resoluto, quero me mandar dali. Digo isto à minha prima, mas ela insiste para que eu fique, que ali estou protegido. Me pergunto se pareço tão frágil ao ponto de precisar de proteção, mas obedeço e sento junto aos fiéis.

O tempo passa, eu suspenso nele

Tudo agora está mais nítido, claro e interessante. Lindas meninas ajoelhadas sobre um tapete verde limpam as folhas da Rainha.

Uma delas, alta, retira o turbante e chora intensamente. Velhos com cara de perdidos ruminam. Um jovem ao meu lado sacode um chocalho.

Me parece (me cheira) que ele não gosta de banhos. Padrinho gesticula muito e dá seu sermão. Engraçado, ele tem sotaque de surfista.

O tempo passa, eu suspenso nele, adorando a luz e a nitidez que vem de todos os cantos. Finalmente, um brado heroico de Padrinho e a cerimônia chega ao fim. Os fiéis partem em silêncio.

Desço a trilha em companhia do Padrinho. Trocamos algumas palavras, ele sempre simpático e gentil. Quando passamos diante da casa, vejo um Alfa Romeu esporte estacionado, vermelho Ferrari.

Será que Padrinho curte carros? Também tenho um Alfa, ora. Besteira minha, tive vergonha de pará-lo junto ao sítio, me achando muito burguês e materialista. Padrinho também é gente.

Incidente número três: Quando chego em casa, consigo falar com minha namorada. Brigamos, ouço que deixei ela e a mãe apavoradas num restaurante, e que a voz que falou com elas no telefone não era a minha.

Foto: http://wilby.nu/an-ayahuasca-ceremony-about-the-body/

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14 COMMENTS

  1. Olá Cesario,

    Me senti num estranho déjà vu ao ler teu texto. Apesar de ter crescido numa igreja evangélica, desde a adolescência me percebi muito cético; quis crer em Deus mais não conseguia encontrá-lo. Depois de vários anos me dizendo ateu, comecei a me abrir e a buscá-lo. Qualquer coisa servia. Fui nas mais diversas religiões e seitas pra conhecê-las e provei de tudo. Me tornei vegetariano, meditava, fazia limpezas, assisti e li inúmeras falas de gurus.
    Nisso, pesquisei muito e resolvi tomar o tal yagé, nome popular da ayahuasca na Colômbia. Foi uma experiência forte que me impactou profundamente. Mas ela não produziu nenhum direcionamento, nenhuma inflexão verdadeira na minha vida. Embora eu tenha saído da toma crendo na existência de um deus pela primeira vez, foi algo vazio de significado, um deus com o qual eu não tinha qualquer relacionamento.
    Já no Brasil, pouco tempo depois da última toma que fui, passei por uma experiência espiritual traumática, sozinho e sóbrio em casa. Um dia fiz um altar xamânico na minha sala, procurando ter algum tipo de contato sobrenatural. Tive sucesso, mas não foi o que eu esperava. Na noite seguinte fui acordado por um espírito, com uma sensação terrível de ter o corpo invadido, tomado. Me senti impotente e fraco. Depois de tentar enfrentar o espírito que me oprimia, no desespero, liguei para meus pais que moram em outra cidade e pedi uma oração. Foi mesmo o meu último recurso, porque eu havia criado uma resistência enorme com tudo relacionado à Cristo. Mas mesmo depois de terem orado continuei sentindo o espírito, como se estivesse tentando entrar no meu corpo. Finalmente contei pro meu pai o que havia feito na tarde anterior e ouvi sua resposta:
    -Então é isso! – Isso o que pai? – Você fez o altar, você tem de orar também! – ele exclamou.
    A verdade é que eu já havia tentado pedir algum tipo de ajuda a deus, mas me senti como se algo me bloqueasse. Respondi – Não pai, eu não sei orar mais. Então ele me disse: – Não tem problema, eu oro e você pode repetir.
    E daí oramos, mas ele fez uma oração diferente. Era uma oração de entrega para Cristo, aquele mesmo Jesus do qual por anos eu não queria nem ouvir o nome. Ao falar ‘em nome de Jesus, Amém’, minhas pernas cambalearam e eu caí, atônito. O peso que eu sentia no apartamento se dissipou e subitamente senti uma paz maravilhosa. Então chorei copiosamente; e só conseguia dizer – Pai! Como eu não vi isso antes, como eu não entendi isso antes?!? Nessa noite recebi Cristo como o meu único Senhor e Salvador.
    Senhor porque entreguei toda a minha vida pra ele, abri mão de viver pra mim mesmo e ali reatei minha relação com Ele. Salvador porque Ele havia me salvado daquele espírito. Eventualmente me livrou da minha tristeza de viver uma vida sem um propósito maior e descobri que já havia me livrado também da morte eterna.
    Tudo isso de graça. Sem intermediários, sem trabalho nem reza decorada, sem nenhum mantra de significado desconhecido ou entidade pra me dizer o que fazer, sem planta enteógena, sem esforço algum, sem mérito pessoal. Descobri que nessa busca a Deus, tudo o que temos de fazer é abrir nosso coração e falar com Ele. Que enquanto tive o coração fechado, foi incapaz de ouvir a Sua voz. A verdade é que todo esforço humano de se religar à ele é ineficaz. Por isso Deus se encarnou e fez Ele mesmo essa ligação. Todo esse tempo o que não consegui acreditar era em um deus que nos tivesse abandonado nessa terra sozinhos. Mas Deus veio aqui e deixou sua palavra e seu Espírito pra nos direcionar.
    Precisei contar a minha história pra ti. Tudo o que peço hoje é que busque com toda a sinceridade do seu coração falar e ouvir a voz desse Deus pessoal, que quer se relacionar conosco e que se fez conhecido para a humanidade. Esqueça todos aqueles e dizem segui-lo e são hipócritas. Esqueça tudo o que te falaram sobre culpa e condenação. Ele veio para trazer o oposto: perdão, liberdade e salvação.
    Estou orando por ti.
    Um forte abraço e que Deus te cuide nessa caminhada.

    Romanos 3:11,12 Não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus.
    Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer”.
    Romanos 3:23-25 Pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos.
    João 3:16,17 Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Portanto, Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por meio dele.
    Apocalipse 3:20 Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo.

  2. Dos altos dos meus anos, honestamente quero tomar “o daime”. Não sei realmente se entendo , mas “palma”, parabéns pela página que considero como cultura.Abraço

  3. boa tarde sempre fui uma pessoa curiosa para tudo, nunca tive medo de nada, frquentava terreiros desde os 10 anos, conheci o budismo, seicho no ie, mesa branca,só não fui católica porque o padre não me deixou tomar óstia quando eu era criança,mas procurava preencher o meu vazio, fui morar no Rio de janeiro aos 19 anos, depois de tantas conflitos pessoais me vi em situações que não eram compativéis com o que havia sido criada, tinha chegado ao fundo do poço,achando que já não tinha razão para a vida, fui para frente do mar em Copacabana, ohei para o horizonte e perguntei Deus o Sr existe mesmo? Se existir muda a minha história de vida. ele fez uma tremenda revolução em tudo em minha vida,passado um tempo, tive um encontro pessoal com ele, em
    uma igreja evangelica na qual eu dizia, posso ser tudo menos crente ignorante na vida hahaah é dessa forma mesmo o pensamento, mas sou tremendamente feliz e tenho a certeza de um Deus que se reclina da sua supremacia para falar comigo, e responder todas as minhas ansiedades, Deus existe!!

  4. Tenho gostado de várias coisas que leio por aqui, mas confesso que seu relato foi muito superficial, descompromissado e tão obscuro quanto a maioria dos relatos veiculados de maneira irresponsável com relação à essa cultura milenar fortíssima. Não sou fardado do Daime nem assíduo de nenhuma congregação que faz uso da Ayahuasca, mas já tive várias oportunidades e bebi em diferentes igrejas do Daime, com ínidos Yawanawa e em correntes do chamado xamanismo e neo xamanismo. É um assunto e uma comunidade que já enfrenta um forte preconceito da sociedade em geral por conta da ignorância das pessoas e muito também por conta da falta de respeito com que muitos tratam a coisa. A própria percepção da substância como droga que você reproduz já é por si só um grande desserviço.

    • Exatamente. Perdeu a oportunidade de, em tempos como os nossos, pedir lor mais respeito à sagrada medicina da rainha da floresta. Ayauasca não é droga. Daime não é seita.

  5. Ja estive ai e te garanto a tua dose foi pequena, o medo foi maior….vc conseguiu fazer coisas e nao “sumiu”…entrei na mesma barca ha alguns anos, muito ateu e racional….me ferrei, mas eu tomei varias doses, eu queria ver o meio do labirinto…e vi, foi minha unica experiencia que me deu total certeza da existencia de tudo que eu duvidava (a trip foi gigante, foram 8 horas!)…Voltei e fiquei como que esquisofrenico por uma semana…todo aquele povo humilde e banguelos eram sabios gigantes e eu um ignorante, um anao, todo meu orgulho se quebrou e meu ego sumiu foi uma agonia enorme mas era inevitavel, lutar me levaria para algum lugar ruim…mergulhei e me deixei levar pelo que parecia ser um caleidoscopio enorme. Nao ha como descrever a experiencia, depois de passado o efeito e os ecos que duraram mais ou menos uma semana, eu virei uma pessoa que nao duvida desta dimensao que cada tradicao da um nome e de uma inteligencia condutora que existe neste universo inteligivel que corta nossa existencia, mas nao retornei para beber mais, acho que o cha’ e’ um atalho para um estado que um dia vamos encarar de cara limpa….quem deixa ir vai, quem luta se ferra….a pegadinha e’ a seguinte o ego nao quer ir e sofre muito ate ser desintegrado, a coisa e’ feia…

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