Em uma conversa com o PALMA sobre seu novo trabalho “Espiral de Ilusão”, Criolo fala um pouco mais sobre a transição do Rap para o samba, sobre suas raízes e o papel da música dentro da sociedade.
O rap nasceu em um berço de contestação social, o samba era marginalizado e foi extremamente reprimido até se tornar o cartão postal do país. Os dois estilos estão correlacionados a partir do momento em que eles conversavam com uma realidade diferente da bossa nova, por exemplo, que também é muito interessante, mas tem um olhar um pouco mais elitista. Um dos motivos da sua transição de um estilo para o outro foi essa proximidade na essência do rap e do samba?
No RAP tem todo esse ensinamento de como ele te apresenta o mundo, como você pode dialogar com o mundo e como você pode lutar contra as coisas que te afligem e te magoam ou afligem e magoam o outro. E acho que com o samba não é diferente. Tem muito de mim nesse álbum, com certeza, e um pouco de cada coisa que eu ando vivendo.
Já são 27 anos escrevendo RAP, então, claro que ainda saem nas minhas músicas, e está bem explicita na música “Cria de Favela”. “Menino Mimado” também é a mesma coisa. Essas duas, se você tirar o instrumental e deixar só a letra pode dar muito a sensação de ser um RAP mesmo. Para as músicas desse álbum veio um samba, mas poderia ter vindo um RAP também.
Meu pai e minha mãe são os meus maiores ídolos, foram eles que me apresentaram tudo. Meu contato com o samba foi através deles. O samba sempre esteve comigo, está presente no ouvido. O samba sempre foi algo que eu faço com gosto. Escrever samba veio de muito tempo atrás, ficou guardado no coração e sempre que podia matava essa saudade. E agora ele apareceu, esse sentimento vem das coisas que eu estava passando e vivendo, o meu jeito de respirar, o meu jeito de não morrer junto se transmite de uma maneira, e dessa vez foi através do samba.
No encarte do álbum você diz que “O samba não é quando você quer, é quando o seu coração está preparado”. Quando você sentiu que era o momento de se dedicar a esse novo projeto?
Não é que eu acordo de manhã e digo: “hoje vou fazer samba” ou “hoje eu vou escrever RAP”, eu não faço as coisas assim. Pra mim vem do mesmo jeito, tomado de muita emoção. Eu escrevi uma canção de forró um tempo atrás, inclusive. Então sou assim mesmo, só deixo a parada acontecer. Eu deixei as emoções correrem naturalmente, e em pouco tempo veio muitas músicas de samba a minha cabeça. Eu fui mostrando o que tinha e essa energia naturalmente tomou as pessoas que trabalham comigo ou que vejo no dia a dia e que estão ao meu redor, e elas disseram “acho que esse é o momento”. Não foi nada planejado.
Você acha que a nova roupagem do CD influencia suas composições de outra forma e acaba também remodelando o que você quer dizer?
Eu acho que não. As minhas letras, a minha música vêm do coração, de sentimentos que tenho ali dentro de mim. Isso vale tanto pra quando eu vou fazer um RAP quanto quando vou fazer um samba.
Não é que vem um texto na minha cabeça e eu coloco ele na “estante do samba” ou na “estante do RAP”, ele já vem assim pra mim. Foi assim com “Freguês da Meia Noite” e “Bogotá”, porque ficava realmente imaginando aquela viagem, na minha mente estava indo para Bogotá num momento muito maluco com muita gente conversando, é realmente desse jeito pra mim.
Acho que esse olhar é de como descrever as coisas e veio muito forte pra mim no RAP e esse RAP me deu a inércia para eu tentar me entender, de eu tentar um caminho de me construir, é saber dividir esse pensamento. Você vai lembrando de um monte de referências, o cinza da sua camisa por exemplo me lembra que a cidade tá bem cinza, não estou falando necessariamente de sua camisa, mas estou falando do que veste a cidade. Isso vem e já está na roupagem do seu pensamento, essa pureza do pensamento ela não se perde, e vai rolando. Não é uma coisa que eu parei e falei “vou falar, vai ter palavra tal e o assunto vai ser tal”, não é assim. Simplesmente a parada acontece, com todas as músicas.
Você acredita que toda a música é uma forma de protesto por ser um ponto de fuga ou acha que todo artista tem certa responsabilidade de externalizar uma posição a respeito da conjuntura social e não se isentar?
A música é um tanto do que você nela põe, assim como em tudo na vida tem sua marca, seu gesto e seu traço, é a mesma coisa com qualquer forma de arte, seja teatro, filme, e por aí vai.
Os arte-educadores e os professores transformam vidas, assim como a música, que também tem este sublime. Dos dois, sou aluno. Uma pessoa que entra nesse ramo será um educador, de uma forma, então acho importante não só transmitir isso para o público, mas o próprio artista tem que transmitir para si mesmo. E tem que ser real, tem que vir de dentro.