Sherlocks cariocas

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Detetives, esqueça terroristas nucleares, cenários glamourosos, carros importados. A loura misteriosa se resume àquelazinha oxigenada, que anda dando um sacode no marido alheio.

O ambiente sofisticado, à suíte imperial de algum motel. As tramas que exigem o talento dos detetives cariocas são mais prosaicas e o buraco fica, literalmente, mais embaixo.

Espertos e perspicazes eles são, sem dúvida. Um levantamento de traição não dura mais de uma semana. Roubo em empresa, por ser mais complicado, demora mais um pouco… mas o funcionário pilantra sempre cai.

Na maioria dos casos, porém, o carioca quer saber mesmo é quem anda lhe dando bola nas costas. “O homem ainda trai mais, mas a mulher trai melhor.

Ela é mais atenta a detalhes como cabelo molhado, fios de cabelo, camisinhas na bolsa. São mais espertas”, avalia Jaime Silva, 67 anos, detetive desde 1963.

Osvaldo Francisco de Souza, 59, também concorda, com seus mais de 30 anos de experiência em flagrar a troca de óleo clandestina.

Dos dez casos de traição que pega por mês, no seu escritório na Rua das Marrecas, três são encomendados por mulheres desconfiadas.

O serviço dura uma semana e custa entre R$ 2.500 e R$ 3.000. Não há registro de marido ou mulher saliente que tenha escapado de sua principal arma: uma câmera com zoom e filmagem noturna. Geralmente usada na entrada ou saída do motel. Mas às vezes, como na piada do português, essa prova não basta.

O cônjuge quer porque quer saber o que sua cara-metade foi fazer lá. “Uma vez flagramos um sujeito que tinha mania de ir com a amante só à suíte presidencial.

Instalamos três câmeras e esperamos a execução do ato”, explica Osvaldo, em detetivês.

Quem empresta aos pobres… adeus!

No dia-a-dia dos detetives, Nelson Rodrigues encontraria vasto material: é filho traindo o pai com a madrasta, irmã dando um “pega” no cunhado etc.

Jaime se lembra até de um caso que não teve a ver com corneamento. Estava ele no seu escritório quando entra um padre, com indumentária eclesiástica, querendo contratá-lo.

O experiente investigador já se via em uma rede de intrigas, do tipo “O nome da rosa”, mas o religioso logo disse a que veio: precisava de um profissional para cobrar dívidas de caloteiros.

O pároco emprestava dinheiro a juros para o rebanho. “Ele tinha uma bolsa só com duplicatas, e recomendou chegar com firmeza nos caras. Chutando o balde mesmo”, diverte-se.

A transgressão do sétimo mandamento rende a Jaime cerca de três casos por mês, a uns R$ 2 mil cada. A cena é sempre a mesma. A pessoa chega meio constrangida, revela suas desconfianças e Jaime bota o time na rua para seguir o safado.

A tarefa é cada vez mais difícil nestes tempos violentos. Não raro, o investigador que faz campana na rua ou dentro do carro, observando a movimentação do suspeito, termina na delegacia, tendo que explicar que não é seqüestrador.

Uma vez, Jaime descobriu que um senhor de meia-idade saía com uma mocinha de 20 anos. Levantou seu nome, o dos pais, endereço, tudo.

Quando passou o resultado do trabalho, a cliente começou a escorregar da cadeira lentamente. Só teve força para falar: é a minha irmã. “Nem sei como esse caso terminou”, recorda o detetive.

Profissão de mãe para filha

Muitos detetives são ex-policiais. Não é o caso de Maria Isabel, na profissão há 18 anos. O desemprego do marido a empurrou para o comércio de cosméticos e outros badulaques na rua.

Um dia, ao tentar vender limpador de panelas para um detetive, recebeu o convite para trabalhar no ramo. Em pouco mais de um ano, Maria Isabel já tinha seu escritório e ganhava muito mais do que o marido.

No começo, enfrentou problemas de adaptação. Não podia ouvir as histórias de traição, de maridos que tiravam dinheiro do lar para dar às amantes, que caía no choro com as clientes.

Pura solidariedade. Chegou a fazer compras do mês para uma moça cujo marido a abandonara com os filhos para viver com a outra.

A detetive descobriu o endereço do cafajeste e o denunciou. “Foi o único caso que peguei de graça”, conta.

Tempos depois, mais tarimbada, Maria Isabel iniciou a filha Márcia Cristina, com 18 anos na época, nos mistérios da profissão.

Sua estréia foi cheia de microfones escondidos para descobrir os maus tratos que uma mulher, namorada do ex-marido de uma cliente, infligia à filha. Apesar do medo de ser descoberta, Márcia adorou o desafio, e hoje já trabalha por conta própria.

Mas, para variar, o prato principal são os cornoriocas, como a moça que flagrou o marido num restaurante da Penha e convidou-se: posso participar?

“O cara que era todo nervosinho ficou um banana! Detetives só sabia falar: “Não é nada disso que você está pensando. E comeu, sem perceber, metade daquelas toalhas de papel que ficam em cima das mesas”, lembra, às gargalhadas.

 

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