A virgem do … doce

A virgem..procurei, procurei, procurei entre meus livros, sobre a mesa do escritório, nas estantes, na mesa da sala, na mesa do quarto…

E não encontrei. Essa realmente é a natureza, pensei irônico, do objeto do desejo: nunca dar-se completamente. Buscava a Trilogia da Paixão, de Goethe, traduzido e lindamente comentado por Leonardo Fróes.

Eu o tenho, com toda a certeza, posso vê-lo perfeitamente diante dos meus olhos, um livro de formato pequeno, capa meio amarelada, mas onde está, de fato?

Encontrei diversos outros livros que lembro ter procurado antes, semanas ou meses atrás, sem também conseguir encontrá-los, mas que hoje não estavam me interessando. Queria porque queria a Trilogia da paixão.

Não encontrei. Uma hora dessas, quando não interessar mais, encontro, fácil, fácil, debaixo de algum outro volume. Não é uma boa metáfora para o amor?

Não acontece algo parecido nas nossas histórias amorosas? Bem, para mim é mais ou menos assim. Como, creio, para Goethe também foi.

Goethe foi um homem apaixonado, sendo a paixão um tema recorrente em sua obra – um tema para o qual ele tinha uma devoção quase científica (vide Afinidades eletivas).

O mais famoso dos três poemas que compõem a Trilogia é “Elegia”, também conhecido por “Elegia em Marienbad”, em homenagem ao local em que o grande poeta o escreveu, com 74 anos de idade, após levar o fora da jovem Ulrike von Levetzow, de 19. Doeu.

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No seu extraordinário ensaio, Leonardo Fróes comenta – não me recordo agora por que exato detalhe – a audácia sexual de Goethe, que recorrentemente em seus poemas menciona o órgão sexual masculino, e não deixa dúvidas sobre os seus sentimentos profundos, sim, mas nada platônicos em relação à mulher amada. Isso chocava a sociedade alemã.

Pergunto-me, então, se encontramos tal audácia na literatura brasileira, principalmente em seu período de formação.

Sim, há Gregório de Matos, mas não é exatamente a mesma coisa., Boca do Inferno é basicamente satírico. Vem-me à cabeça Iracema, a virgem dos lábios de mel.

Todo leitor e leitora mais experientes sabem a que lábios José de Alencar se refere… Mas o que me surpreende, puxando pela memória – e corrija-me o leitor se estiver enganado – é a aparente ausência em nossa literatura daquilo que é a preferência nacional.

Sim, há as “teúdas e manteúdas” do nosso regionalismo e as bobagens de Jorge Amado (um escritor absolutamente secundário, que fez da Bahia uma caricatura), mas onde está – assim na bucha – a bunda?

Hoje ela está na música, está na dança, em todas as bancas de jornal. E basta entrar em qualquer chat erótico para comprovar uma verdadeira obsessão pela bunda – assim como os americanos têm pelos seios (talvez a psicanálise possa explicar a origem dessas escolhas;

E talvez essa seja a diferença mais fundamental entre os dois países, que possa explicar todas as outras). A bunda está completamente assimilada ao vocabulário sexual do brasileiro.

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 Se para as pessoas da minha geração (estou com 45) o sexo anal, quando éramos jovens, requeria certa negociação, hoje, entre as pessoas com menos de 30, ele é dado, e sem nenhuma, ou quase nenhuma conotação moral degradante ou mesmo perversa. Um lance a mais, para desbunde e desfrute mútuo.

Não me lembro da sodomia de forma explícita na nossa literatura moderna, apenas pontualmente. No entanto, percebo-a (esse talvez o ponto principal) de forma violenta ou platônica na literatura das últimas décadas do século 20 até os dias de hoje.

A enrabada aparece como estupro num conto de Maria Amélia Mello e em Cabeça de Papel de Paulo Francis, como fantasias de recalque, fetiche e pastiche em Marcelo Mirisola (seu Joana à contragosto é uma obra-prima) e como metáfora em O Cheiro do Ralo de Lourenço Mutarelli.

É curioso que o assunto pareça ser tratado de maneira mais natural por nossos vizinhos latino-americanos, a rigor bem mais caretas que nós (a impressão que me dá é que estão sempre, pelo menos em termos de comportamento, uma década atrasados – com exceção dos mexicanos – mas a globalização tem apagado isso rapidamente).

Em Pantelão e as Visitadoras, de 1973, o personagem principal criado por Mário Vargas Llosa é um militar encarregado de organizar visitas femininas para os soldados isolados num posto avançado na selva amazônica peruana.

As brasileiras são especiais porque também disponibilizam a “porta dos fundos”. E no mais recente Memória das Minhas Putas Tristes (desleixadamente traduzido por Eric Nepomuceno), de Gabriel Garcia Márquez, o personagem principal sem maiores delongas ou meias palavras periodicamente sodomiza a empregada contra o tanque.

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Obviamente, no Brasil das últimas décadas há também a emergência da temática homossexual, e em O bundo, do poeta Waldo Motta, o cu, se bem me lembro, aparece com forte carga de erotismo e desejo por um outro constituído (não um mero objeto a que o outro é reduzido). 

Bem, talvez, a princípio, todo o desejo seja redutor e todo objeto do desejo seja exatamente isso: um objeto.

Mas ainda está para ser escrita uma nova Iracema, em seu sentido erótico, idealizada, sim, mas desejada como mulher completa, plena de virtudes, não reduzida a seus lábios de mel… Ou, no caso de hoje, a seu cu doce.

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