Um rei na política

Rei na política, há 27 anos, o cantor Carlos Evaney mantém o mesmo corte de cabelo e só veste azul e branco. Vermelho? Jamais. Com o passar do tempo, praticamente mudou de identidade.

“Mas foi natural”, garante. Seu nome é artístico, e ele não revela o verdadeiro, nem quantos anos tem. Entre seus pertences mais valiosos, estão um cachimbo velho, uma rosa murcha enrolada em filme plástico, e uma fatia fina de bolo que ele secou ao sol e conserva num recipiente plástico desde 19 de abril de 2003.

A raridade é motivo de orgulho: foi a primeira vez, depois de muita expectativa, que recebeu um presente das mãos de seu maior ídolo, o cantor Roberto Carlos.

“Ainda está cheiroso!”, alegra-se o sósia do Rei, enquanto fita a massa seca com olhar apaixonado.

Na última década, Evaney tem sustentado a mulher e a filha adolescente, Roberta Carla, apresentando-se em bares e restaurantes no Centro do Rio.

Cantando e falando, ele busca a semelhança com o ídolo na voz, nos trejeitos e até mesmo na repetição de uma famosa gíria. Mas jura que não força, nem imita.

“Pô, bicho, eu convivo com o Rei 24 horas por dia! Se você me perguntar quem é o Carlos Evaney… bicho, vai ser difícil responder!”, diz ele, que só não consegue esconder os resquícios do sotaque baiano.

Nascido em Maragogipe, a 133 quilômetros de Salvador, Carlos Evaney tinha 8 anos quando ouviu o Rei pela primeira vez, no rádio de uma vizinha. “A música era Malena.

Nunca mais esqueci. Que voz bonita, suave, penetrante”, emociona-se. A casa em que morava não tinha luz elétrica, e o menino, que já passava o dia todo cantando, tinha que pedir aos vizinhos para escutar as músicas ou assistir aos programas da Jovem Guarda na televisão. “Não perdia nenhum”, garante.

Sósia retoca as próprias madeixas

Quando descolou uma cópia emprestada do disco Tudo que sonhei, construiu sozinho uma vitrola. Fez uma caixa de madeira e pediu a um soldador para fazer uma agulha com um pedaço de lata de Detefon, remédio mata-baratas. Um carretel de linha serviu de manivela.

“O som ficava horrível, desafinado, porque eu nunca conseguia acertar a rotação. Mesmo assim, eu adorava. Ouvia o dia todo, bem alto, e minha mãe ficava uma fera!”, diverte-se.

Aos 19 anos, Carlos Evaney se mudou sozinho para o Rio, “sem um tostão no bolso e apenas com uma malinha”. Morou de favor na casa de uma tia, no subúrbio, antes de arrumar os primeiros bicos como desenhista, pintor letrista e até cabeleireiro.

Foi quando aprendeu a fazer o corte do ídolo, que ele mesmo retoca, todos os meses. Nessa época, em 76, viu ao vivo, pela primeira vez, um show de Roberto Carlos. Mas apenas em 2000 realizou seu maior sonho: falar com o Rei.

Quando soube que os fãs e seguidores do Elvis brasileiro reuniam-se em frente à casa dele em todos os seus aniversários, não pensou duas vezes.

“Cheguei bem cedo e fiquei até tarde”. O que ele não esperava é que seria convidado, por um dos seguranças de Roberto, a entrar rapidamente na portaria do edifício.

“Ele me chamou e disse: o seu Roberto vai receber você. Gelei”.

Um diálogo inesquecível

O encontro não durou mais que dez minutos. “Ele ficou um pouco distante, e um outro cara também entrou. Eu não conseguia dizer nada, só repetia ‘Parabéns, meu Rei, que Deus te abençoe, amém, amém’.

Ele sorria e respondia ‘Amém’ também”, descreve o sósia.

Quando pediu um abraço, o Rei demonstrou desconforto. “Ele tava, assim, meio sem graça, né, ele é assim mesmo”, justifica. Mas o Rei cedeu.

“Ele falou pro segurança que tudo bem, me abraçou e meu coração foi a mil. Aí eu pedi uma foto, e de novo o segurança não quis deixar, mas ele interferiu e me puxou.

Mas pelo lado direito dele, porque ele não tira foto do lado esquerdo”, explica.

“Eu também não, quando meus fãs me pedem uma foto, só tiro do lado esquerdo, que é meu melhor ângulo”. Apesar de guardar várias lembranças do rei e exibi-las com prazer, as fotos ele diz que precisa procurar.

“Olha, não poderia mostrar agora não, meu apartamento está uma bagunça. Sabe que nem sei onde que estão?”, desculpa-se, sem mostrar as provas do encontro.

Depois da primeira experiência, Evaney passou a ir todos os anos. Em 2003, foi recebido novamente. “Ele chamou um fã clube e eu acabei entrando junto.

Nós cantamos os parabéns no pátio da garagem, e eu fiquei bem na frente dele, do outro lado da mesa”, conta, emocionado.

“Na hora de cortar o bolo, ele deu o primeiro pedaço para a secretária dele e o segundo para minha filha, que não parava de chorar.

O terceiro foi o meu, e eu nem acreditei! A Roberta Carla comeu o pedaço dela, mas eu guardei o meu e vou guardar para sempre”.

No conjugado com pouco mais de vinte metros quadrados onde vive com a família, num prédio misto no coração da Lapa, Evaney consegue guardar uma coleção de 45 LPs, cerca de 50 CDs e fitas cassetes, e os três filmes de carreira do rei.

Grava e guarda todas as apresentações especiais de fim de ano exibidos pela TV Globo. Conseguiu um convite para o especial do ano passado, onde agarrou uma das rosas vermelhas jogadas para o público. “Vou guardar para o resto da vida”, promete, entusiasmado.

Além da flor, ele guarda um cachimbo que ganhou de um amigo. “Foi do rei!”, conta empolgado, apesar de não ter certeza. “Um outro amigo, conhecido do Roberto, deu para esse meu amigo, e ele me deu”.

Do palco ao palanque 

Ao longo do tempo, Evaney reuniu dezenas de pôsteres e cartazes, que decoram as paredes da casa. “Peço nas lojas, insisto, vou aonde for.

Já fui catar um até numa gráfica em Bonsucesso”, conta. Mostrando a coleção, ele faz questão de mostrar um LP raro, o primeiro da carreira do ídolo, Louco por você, pelo qual desembolsou R$ 2.200.

“Todo mundo acha que o primeiro foi Splish Splash, mas foi esse aqui, e quase ninguém tem”, orgulha-se.

Evaney admite que não é simples nem barato acompanhar o Rei. Assiste sempre à estréia e ao último show das turnês do cantor, mas só no Rio.

“Por mim, eu ia em todos, viajava o mundo atrás dele, mas não tenho condições, né”, justifica. O sósia se esforça para manter opções variadas de camisas, jaquetas, coletes e calças jeans de tons claros, que ele usa para compor o personagem durante os shows.

Suas apresentações, como as do Rei, sempre terminam com o sucesso Jesus Cristo e a distribuição de rosas vermelhas.

“Já usei outras cores, mas quando ele parou de usar, parei também”, explica.

O fanatismo de Evaney é incondicional, e ele não vê nada de errado nas polêmicas manias do cantor, que há anos faz tratamento contra o transtorno obsessivo compulsivo. “É normal, todo ser humano tem essas coisas”, defende.

Desde que chegou no Rio, Evaney tenta fazer a carreira decolar. “Quando aparecia um show, eu fazia. Cantava em churrascarias, festas de aniversário… cantei até na Feira de São Cristóvão, mas não dava dinheiro, né”.

Em 2000, gravou seu primeiro disco independente, “Carlos Evaney canta Roberto Carlos”, e já prepara o segundo. “Estava decidido a viver só de música.

Fui para o Largo da Carioca, montei minha barraca e até que vendo bem. Toda hora alguém para e pede para eu cantar Roberto”, descreve.

O cantor já teve problemas com a Guarda Municipal mas, depois de sair no jornal, não precisou mais se preocupar.

“A praça é do povo, é a lei do Agnaldo Timóteo. Procurei a mídia, fizeram reportagem até na TV, e hoje eles são meus amigos, não perturbam mais”, explica.

Os anos dedicados à música podem não ter tido o desfecho esperado, mas Carlos Evaney está otimista. Depois de pegar carona em seus shows para pedir votos nas últimas eleições, a vereadora evangélica Liliam Sá convidou-o para tentar uma vaga na Câmara em outubro.

“Essa é minha última novidade!”, conta, entusiasmado. “Quem sabe, né?”

Foto: GNT

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