A história da maconha no Brasil

Muitos maconheiros que não puderam sair às ruas para a se juntar à frustrada Marcha da Maconha provavelmente não conhecem a rica história da planta no país.

A cannabis sativa aportou por aqui junto com Cabral, em 1500, antes de se espalhar por quase todo o território nacional e resistir com notável vigor a diversas ondas de proibição.

Então, amigo maconheiro, liberte o grito preso na garganta: o bagulho é coisa nossa!

Mas não se apresse em pensar que Cabral comandava sua frota de caravelas com dedo amarelo e olhos vermelhos.

A maconha estava, isso sim, nas cordas e velas dos navios, feitas com fibras de cânhamo, nome de gala da cannabis sativa.

Estima-se que as caravelas das grandes navegações carregavam em média cerca de 80 toneladas de maconha em forma de cordas e tecido.

A cannabis chegou à Europa por volta do século I da era cristã. A planta é originária da Ásia Central, e os primeiros registros de sua existência datam de 6 mil anos atrás:

Vestígios de cordas de cânhamo encontrados na China. Além disso, há pelo menos 2 mil anos suas propriedades medicinais e psicoativas são conhecidas pelos chineses.

Foram descobertos livros de medicina desse período que recomendam o uso do chá de maconha para aliviar dores reumáticas e constipação intestinal.

Da China, ela se espalhou para a Índia, o Oriente Médio, o Norte da África. De lá desceu rumo à África Subsaariana e subiu até a Europa, via Turquia.

O frio europeu parece ser uma das razões pelas quais a erva não era fumada no continente.

Os princípios ativos da planta, THC e canabidiol, se desenvolvem em quantidade maior em ambientes quentes e ensolarados durante a maior parte do ano.

Fumar maconha não fazia sentido para os europeus de antanho, porque não dava onda nenhuma.

Escravos trouxeram sementes de maconha escondidas

É bastante provável, porém, que os portugueses, navegadores arrojados, tenham tido contato com sociedades orientais e africanas nas quais se fazia uso recreativo da cannabis exatamente como você, leitor maconheiro, faz hoje. De maneira que poderia ser comum, entre os marujos lusos, a prática de tocar fogo à erva.

Os portugueses, contudo, não foram os únicos a trazerem a cannabis para terras tupiniquins.

É claro que um punhado de navegadores que gostavam de algo mais além de uma garrafa de rum e meia dúzia de produtores de fibras de cânhamo do sul do Brasil não seriam suficientes para conferir à planta a importância social que ela ainda preserva.

Por volta de 1560, os primeiros escravos das etnias quicongo e quimbundo trouxeram sementes de cannabis escondidas nas tangas e em bonecas de pano.

Há séculos, esses povos angolanos usavam a erva com fins, digamos, lúdicos.

Quase todos os nomes populares brasileiros da cannabis são palavras quimbundas: diamba, liamba, maquía e mesmo maconha, uma corruptela de maconía. Isso sem falar do nome mais comum da erva no país até o fim do século XIX: “fumo de Angola”.

O Brasil foi, portanto, um ponto de encontro entre a cannabis sativa européia e suas variedades africanas. A chegada de contingentes cada vez mais numerosos de escravos ajudou a disseminar o hábito de fumar a diamba pelo país.

Em O Nordeste, Gilberto Freyre conta que os senhores de engenho permitiam que seus escravos plantassem maconha para uso pessoal entre as fileiras de cana dos canaviais pernambucanos, “sugerindo algo mais do que permissividade”.

O sociólogo atribui o costume ao regime de trabalho no cultivo da cana, que era interrompido durante alguns meses do ano.

Nesses períodos de ócio, os senhores acendiam seus charutos para matar o tempo e os escravos matavam o banzo fumavando bagulho em bongs feitos com taquaras e cabaças.

 No vale do Rio São Francisco e no que hoje se chama Polígono da Maconha, em Pernambuco, era comum que pequenos agricultores fumassem a erva antes do trabalho na lavoura, atrás de vigor extra para o eito: eram os “maconhistas”. No Recife, a gente pobre da cidade se reunia depois do expediente nas “assembleias” para jogar conversa fora e cantar canções sobre a erva.

As Cigarrilhas Grimault

O Rio de Janeiro, uma das maiores concentrações negras do país, foi o lugar onde a maconha se difundiu mais largamente, principalmente entre os pobres – em sua maioria, pretos e mulatos.

O consumo da erva ficou tão comum que motivou decretos municipais que proibiam o comércio e consumo em público de “substâncias venenosas”.

A repressão à maconha estava fortemente associada à repressão a quaisquer manifestações culturais dos pretos e pobres da cidade.

Não por acaso, o órgão responsável pelo combate à maconha era a Inspetoria de Entorpecentes, Tóxicos e Mistificação – que acumulava a missão de proibir a umbanda.

Prova de que o alvo das autoridades não era exatamente a maconha, mas sim as populações marginalizadas que faziam uso dela, são as aristocráticas Cigarrilhas Grimault.

Vendidos livremente nos loucos anos 20, os “cigarros índios” nada mais eram que baseados industrializados consumidos para fins medicinais por quem tinha dinheiro para comprá-los.

“A dificuldade de respirar, a roncadura, os flatos, a aspiração sibilante acabam quasi logo, produz-se uma expectoração abundantíssima quasi sempre em pouco tempo, torna-se mais fácil, a respiração, mais branda a tosse e um dormir reparatório afasta todos os symptomas assustadores que se tinham manifestado”, dizia a propaganda dos cigarros de cannabis indica, tão entorpecente quanto a sativa.

Até os anos 30, apesar da repressão, a maconha era bastante tolerada no Brasil, o que em parte se devia à ausência de órgãos nacionais de combate às drogas.

Em 1936, a criação da Comissão Nacional Fiscalizadora de Entorpecentes desencadeou uma ampla campanha antimaconha, que seria abraçada com entusiasmo pela imprensa nacional.

A onda proibicionista, surgida nos Estados Unidos, se alastrava então para o Sul da América e se juntava aos fortes preconceitos de classe e raça que marcavam o combate à cannabis no Brasil.

Foram tempos ruins para os “clubs de diambistas”, confrarias maconheiras que se reuniam nas favelas cariocas e foram denunciadas à exaustão pelos jornais da época.

A política foi eficaz: o consumo da erva e as manifestações culturais relacionadas a ela se restringiram a guetos cada vez mais limitados.

Algumas décadas depois, a vaga psicodélica e psicotrópica dos anos 60 e 70 trouxe uma nova era de ouro da maconha, que retornava à cena agora mais associada à juventude e à rebeldia globalizada.

As raízes mais profundas da erva no Brasil ficaram para trás, na poeira da história. Nas próximas manifestações pela legalização da planta, os ativistas deviam pensar em substituir os motivos jamaicanos e o Bob Marley de sempre pelos marujos doidões de Cabral e os maconhistas do nordeste.

E trcoar Cheech e Chong pelos animados integrantes dos clubes de diambistas da República Velha.

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