Desfile, um concurso fenomenal que foi tanto glitter que até ofuscou a vista. A diversão começou antes, nos bastidores, onde as misses se montavam. Montar, no jargão drag, é passar de John para Mary.
Com direito a perucão, cílios imensos, base, boca melada de gloss. Além de base e spray na coxa e no bumbum, para não fazer feio no desfile traje-de-praia.
Quinze travestis, de 18 a 28 anos, representavam estados brasileiros na 15ª edição do concurso Miss Brasil Transex 2008.
No camarim, entre outras que disputavam o espelho, aprontava-se a Miss Tocantins. Morena, magra e simpatissíssima, um rosto masculino que mal se esconde atrás da maquiagem.
Com cerca de 1,90m, a miss usava ainda coque de três andares bem em cima do cocoruco e uma plataforma, que a deixavam com aproximadamente 2,50m.
“Tô nervosa”, repetia, esfregando maquiagem na perna enquanto ensaiava o rebolado.
Desfile!
No lado oposto da sala, a Miss Brasília parecia uma boneca de porcelana – até porque não tinha muita expressão.
Com um rosto delicadíssimo, lentes de contato azuis, 1,62m, 22 anos e tipo mignon, Cler Chicler lamentava o cabelo.
“Fui ao cabeleireiro, e ele acabou com os meus fios, tive que cortar assim”, disse, chorosa, mostrando os poucos centímetros que lhe restavam.
Na hora da montagem, a peruca lisa e morena, grudada com cola tenás na cabeça, daria conta do recado.
Entre os jurados, só figuras. Atrizes, maquiadores, dono de bar GLS e um colega jornalista, do programa CQC, que estava ali tanto para julgar como para gravar sua matéria.
Também foi convidado o cirurgião Paulo Branco, especializado no público homossexual. O doutor aproveitava a ocasião para divulgar seu novo livro, Manual da saúde gay.
“Os homossexuais se cuidam muito melhor do que os heteros. Eles não têm medo do exame de toque ou de cirurgias anais.
Enquanto isso, um hétero que tem hemorróidas, por exemplo, só vai ao médico quando o negócio já está horroroso e pendurado até a canela”, contou, apontando o pé de forma séria.
Emplastro Sabiá para disfarçar o volume
Começam então os desfiles. As misses entram numa coreografia triunfal, envoltas em casacos dourados e prateados.
Entre as caras, peitos, bocas, metros de cílios e de saltos, uooooops: uma miss loiraça tropeça e vai ao chão. A biba cai em pleno palco, bem na frente do repórter do CQC.
Rapidamente, ela se levanta e continua a apresentação, com um bravo sorriso no rosto. Corajosa, a moça.
O primeiro desfile individual foi o de traje de banho. Aí minha cabeça começou com um questionamento impertinente: como a candidata vai fazer para esconder seus dotes dentro do biquíni pequeno?
Afinal, uma miss é uma lady, e ladies não têm volume na comissão de frente. De acordo com uma das organizadoras do evento, Rosana Star, as moças dobram o negócio para trás e colam com uma fita, bem firme.
“Não dá pra ver nada”, garante. No outro dia, um colega jornalista, gaúcho, esclareceria: a fita é o Emplastro Sabiá, um adesivo para alívio de dor nas costas, que cheira a gelol e é megacolante: realmente não desgruda.
Entram as moças em maiôs pretos e capas brilhosas. Caminham, uma por vez, ao som de uma gravação eletrônica de Garota de Ipanema.
Dá para imaginar o quanto Vinícius de Moraes e Tom Jobim se contorceriam. Após muitos corpos perfeitos, outros nem tanto, as misses deixam a passarela.
No palco, a drag Nany People anuncia a entrada da organizadora Rosana Star, igualmente querida, carismática e bem-humorada.
Os sonhos das misses: fazer plásticas, ficar rica
Nascida para o palco e com uma desenvoltura ímpar para o microfone, Rosana fala de sua família: o pai é militar; a mãe, lésbica; a outra irmã, também transexual – linda, por sinal.
Na hora de falar dos jurados e dos (poucos) patrocinadores, a hostess pede ao público “uma salma de palmas”. Tantas foram as “salmas” que Nany People tomou o microfone para apressar a colega:
“vamos continuar logo, antes que o Ibama venha aqui e cace a gente”. Segue o espetáculo com dois shows: um cover de Elba Ramalho, outro de um travesti cuja dublagem não me lembro agora.
Mas também não esqueço o tamanho do tapa-sexo que usava, em formato de triângulo prateado. Mi-nús-cu-lo. E viva o Emplastro Sabiá!
O outro desfile, antes da decisão, foi o de traje de noite. Entram então as misses chiquérrimas, em longos de plumas, brilhos, fendas e capas. Um luxo.
Enquanto desfilavam, maldosamente, um dos produtores do CQC e eu confabulávamos sobre alguma delas estatelar no chão novamente.
Era muito tecido passando por saltos de 20 centímetros. Mordemos a língua, pois nenhuma caiu.
Enquanto elas flanavam pela passarela, os apresentadores liam as fichas das candidatas, que revelavam peso, medidas, desejos e sonhos.
De “fazer faculdade” a “fazer muitas plásticas”, passando por desejos mais objetivos, como “ficar rica”.
Finalmente anunciam a vencedora, candidata que, até pelo nome, cada vez que entrava arrancava aplausos efusivos. A cabeleireira paulistana Fernanda Lima, de 27 anos, levou a coroa.
Ela representou o estado de Santa Catarina, que depois confessaria não conhecer. Ainda. A beldade loura tem 1,78 m de altura e 63 quilos.
Ela será a brasileira a honrar o país no Miss Transex Mundo, que acontece na Tailândia.
Como vi o perrengue e o nervosismo de quase todas desde os camarins, desejo-a a maior sorte e purpurina do mundo. E, como diria Rosana, uma “salma de palmas” pra moça! Desfile!