Martin Parr e a arte do banal

Martin Parr, um dos maiores nomes da fotografia contemporânea esteve no Brasil em 2009 atrás de “gente bem vestida, bebendo champanhe e usando chapéus”.

A investida foi para o projeto “Luxury”, que já o levou a desfiles de moda, feiras de automóveis e alguns dos eventos mais incensados do mundo à caça de um de seus temas prediletos: os ostensivamente ricos.

“Fui à Feira Internacional de Arte de São Paulo, o tipo de lugar que imagino ser frequentado por quem tem dinheiro por aqui”, disse.

De passagem, promoveu um workshop (R$ 1.474,00 por um dia) e uma palestra (de graça). Fui à palestra. 

O homem alto e um pouco corcunda subiu ao palco do auditório lotado do Museu da Imagem e do Som. “Olá. Eu sou Martin Parr“, apresentou-se.

Vestia camisa quadriculada de mangas curtas, calças na altura do umbigo e sandálias de couro. Estava ali o inglês que, com fotos de gente comum sacadas em mercados, festas, praias e pontos turísticos, polariza os críticos, diverte e ofende as pessoas em igual proporção.

Parr parece ter equacionado dois dos maiores complexos da fotografia documental: tem status de arte e vende que nem pornografia. 

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Martin Parr, mestre da fotografia contemporânea

O fotógrafo nasceu em 1952 em Epson, Surrey, “de uma família bem classe média”, como gosta de pontuar. Sua fala é pausada, de frases curtas, carregadas de sotaque e humor tipicamente britânicos.

Avesso a divagações teóricas caras a muitos artistas contemporâneos, ele usa um tom de calculada simplicidade ao comentar sua obra, levando à conclusão, precipitada, de que suas escolhas são naturais.

Um de seus primeiros trabalhos enfoca ruas vazias, paisagens nevadas e vastos descampados. “Queria ver se podia fazer fotografias interessantes nos lugares mais chatos possíveis”, explicou.

Em Bad Weather (1982), o mote é o mesmo: “Dizem que só se deve fotografar com sol e céu azul, por isso resolvi só sair quando o tempo estivesse horrível”.

Parr já conhecia os trabalhos de Bill Brandt, Cartier-Bresson e Robert Frank, alguns dos principais fotógrafos “de rua” de seu tempo.

Decidiu desenvolver seu próprio trabalho quando topou com as imagens do conterrâneo Tony Ray-Jones, um garimpador de situações pitorescas em cenas simples do cotidiano inglês da década de 60.

Parr retomaria vários temas de Ray-Jones, como concursos de beleza e os subúrbios britânicos. Foi dele, provavelmente, que aprendeu a buscar o pungente escondido no banal; a perseguir os clichês, ao invés de evitá-los. 

Daí também emerge seu interesse pelo tédio. Parr costuma dizer que, enquanto outros fotógrafos saem em cruzadas em busca de guerra e fome, ele dobra a esquina e entra no supermercado local.

“Para mim, este é o front de combate”, brinca. Em The Last Resort (1986), Parr foi buscar imagens de lazer no decadente subúrbio de New Brighton, perto de Liverpool: multidões torrando sob o sol em uma abarrotada piscina pública ou se engalfinhando por um lugar junto a uma mesa de bufê, no melhor estilo farofeiro.

Acabou acusado de ridicularizar as classes de menor poder aquisitivo. “Amo o fato de o meu trabalho estar contaminado de hipocrisia e preconceito, o tipo de coisa que as pessoas não esperam que os fotógrafos estejam procurando”, responde. 

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Explorando a Fotografia

Os próximos dois trabalhos enfocariam a classe média. “The Cost of Living” ironiza o esforço de uma fatia da população em manter as aparências de um modo de vida que já está fora do seu poder aquisitivo.

Em “One Day Trip”, consumidores ingleses empilham caixas de bebida em seus carrinhos superlotados no Duty Free Shop da França. “As pessoas não gostam dos seus preconceitos.

Eu queria usar os meus”, justifica. O exagero, a poluição visual e a saturação de cores se tornaram sua estética própria. “Gosto do kitsch.

Acho que o mundo está ficando cada vez mais kitsch, cada vez mais ferrado, e isso é ótimo para mim”, ironiza. “Fotógrafos não admitem isso com frequência, mas eu sou um explorador. Eu exploro a imagem das pessoas”.

Quando se candidatou para entrar na agência Magnum, em 1988, Parr enfrentou forte resistência. O próprio Henri Cartier-Bresson, então com 80 anos, teria declarado que o que ele faz “não é fotografia”.

“Vindo dele, achei aquilo um grande elogio”, desdenha o inglês. “Muitos se questionavam se aquele tipo de trabalho tinha lugar na Magnum, mas a verdade é que ele, sozinho, vendia mais fotos do que todos nós”, admitiu Thomas Hoepker, no festival Paraty em Foco, em 2008.

Parr foi aprovado por um voto e tomou para si a tarefa de trazer a agência para o século 21. “A Magnum precisa mudar. Histórias em preto-e-branco não estão mais encontrando espaço nas revistas.

Ninguém quer ver, ninguém quer publicar. Os editores gostam do meu trabalho porque ele é mais atraente, mais acessível”, afirma. “No fundo, eu sou um populista”. 

“Think of England”: o ridículo da elite inglesa

A obra mais importante de Parr foi garimpada no quintal de casa. “Think of England” (2000) é uma sátira cáustica à sociedade inglesa em todos os níveis.

Do interior cafona e tacanho à aristocracia esbanjadora, das comidas gordurosas aos motivos florais, tudo está ali: os clichês, o consumismo, a ostentação, o kitsch, os preconceitos (inclusive os do próprio fotógrafo, como ele faz questão de frisar).

A provocação começa pelo título – “Pense na Inglaterra”, em português. “Lie back and think of England” era uma expressão corrente na Inglaterra vitoriana, dita a quem estava para enfrentar uma situação desagradável.

Sua origem é atribuída a Lady Alice Hillingdon (1857-1940), que teria escrito sobre o marido: “Felizmente George agora me procura com menor freqüência do que outrora, não mais que duas chamadas por semana.

Quando ele vem eu me deito na cama, fecho os olhos, abro as pernas e penso na Inglaterra”.

O livro reúne fotografias feitas ao longo de vários anos e sintetiza o sentimento anacrônico de Parr em relação a seu país, que ele diz amar e odiar ao mesmo tempo.

Tachado de elitista no início da carreira, ele agora apontaria suas lentes para o outro extremo na pirâmide social:

Damas da alta sociedade se pavoneiam num tradicional concurso de chapéus, um senhor se alonga comicamente num jogo de críquete, um rapaz engravatado tenta arrancar com o dente um pedaço de gordura de bacon do sanduíche.

Parr se refestela com os excessos da upper class em seus ritos ultrapassados, consumismo contemporâneo e mau gosto secular. 

Parr afirma que a paranóia por direitos de imagem está inviabilizando que os fotógrafos capturem imagens nas ruas. Seus quadros bem fechados, freqüentemente cortando a cabeça das pessoas, respondem, em parte a essa questão.

Após a palestra em São Paulo, perguntei se ele acha que o mundo está ficando sério demais, e se pretende fazer com que as pessoas rissem mais de si próprias.

“Não fotografo para rir das pessoas, mas de mim mesmo”, rebateu, diplomático. “Eu fotografo as pessoas em mercados, feiras, eventos. “Se acham isso controverso…”, disse, encolhendo os ombros e sorrindo. “Eu gosto da controvérsia”.

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